Sádico, mal educado, ignorante, perverso… os adjetivos para descrever o ministro da Educação se aplicam igualmente ao superior hierárquico que o nomeou. Essa gente não tem humanidade, empatia e respeito pelas pessoas e pela vida, não tem compaixão pelo sofrimento de milhões de brasileiros atingidos em cheio pelo coronavírus, seja pela crise econômica dele decorrente que piorou a miséria na qual sobrevivia um enorme contingente de “invisíveis”, seja pela crise sanitária propriamente, já que um número ainda desconhecido teve ou terá a doença e milhares estão morrendo desde março, muitos sem nem ter a chance de buscar socorro numa UTI. O Brasil já o terceiro no mundo em total de casos, mas nenhuma vítima mereceu uma palavra de conforto das figuras nefastas à frente do (des)governo brasileiro.

Seria querer demais que eles se condoessem com a situação de milhões de jovens à espera da prova do Exame Nacional do Ensino Médio para ter vaga numa universidade. Mas não é uma questão de se compadecer. É um direito que os estudantes têm de concorrer minimamente em pé de igualdade com os demais. Não bastasse o sistema educacional do país ser discriminatório com os mais pobres, nesta época de pandemia a desigualdade se aprofundou. Se antes as condições já eram desvantajosas para a parcela de alunos das escolas públicas das periferias do país ou das zonas rurais mais remotas, assim como de comunidades indígenas, neste ano particularmente as mazelas vieram à tona, escancaradas para quem quiser ver.

Reportagens de jornais e televisões atestam que a maioria dos professores não se sente preparada para aulas online nessa situação de emergência. Uma pesquisa recente revelou que 90% dos docentes jamais havia tido experiência com ensino a distância. E 55% deles não receberam até o momento nenhum treinamento ou suporte para as aulas não presenciais. Sem orientações claras e sem o suporte da escola, os professores – inclusive da rede privada – improvisam, criam atividades de acordo com o conhecimento e o ferramental de que dispõem, se esforçam para cumprir o básico da grade curricular prevista, mas eles estão se sentindo angustiados, sobrecarregados e inseguros quanto à efetividade do ensino a distância nestes dois meses que já dura o isolamento social. É injusto e desumano jogar a responsabilidade pelo futuro de milhares de estudantes nas costas dos professores, que também sofrem com a epidemia.

Fato é que nem as escolas, nem os professores, muito menos as famílias e os próprios alunos, estavam preparados para manter o ritmo de ensino, sem as ferramentas pedagógicas e sem o aparato da sala de aula, com tudo que ela representa para o ensino-aprendizagem no modelo de educação vigente. É compreensível esse cenário caótico, uma vez que a pandemia atingiu o país com o calendário letivo em andamento nos moldes tradicionais, não houve tempo para adaptar a estrutura da educação ao novo momento. E os governos, diante do Estado depauperado em todas as esferas – resultado do desmonte da máquina pública e de contínua entrega dos serviços públicos a terceiros –, mal conseguem dar resposta à altura na área da saúde, a mais imediata. Imagine nas outras áreas, educação incluída.

Se os governos federal, estadual e municipal de São Paulo fingem que os estudantes estão sendo ensinados adequadamente na quarentena, esse faz de conta é desmentido pela realidade. A vida real é dura para milhares de famílias que vivem em regiões menos favorecidas, sem água encanada, sem rede de saneamento, sem computador, sem celular capaz de baixar aplicativos. Registre-se que 46 milhões de brasileiros não têm acesso à internet. Boa parte deles, inclusive, está passando fome porque as famílias são numerosas, não têm renda, o auxílio emergencial não chega e um grande número de crianças e jovens ficou sem a merenda que era a principal – ou a única – refeição das crianças. Nem mesmo estão recebendo os míseros vales que os governos do estado e do município implementaram para uma parte dos alunos das redes públicas, pretensamente para suprir a falta da merenda enquanto durar a crise da covid-19.

Se até para quem tem boas condições materiais para estudar a distância é difícil manter a rotina de estudos em meio ao estresse das notícias ruins, a ausência dos amigos, o adoecimento ou até a morte de familiares, projete-se isso para a realidade dos estudantes de famílias mais humildes, igualmente submetidos a transtornos de ansiedade e depressão pelos efeitos da doença, mas sem condições de custear atendimento psicológico, sem estrutura tecnológica para estudar em casa, sem material didático e, às vezes, sem alimentação adequada.

Candidatos ao exame têm dificuldade até para se inscrever. Sem o acesso digital que teriam na escola, há jovens que se arriscam a infectar-se indo a terminais de ônibus para acessar a rede de internet sem fio e garantir a inscrição, que termina no dia 22 deste mês. Diante dessa situação, é necessário adiar o calendário do Enem, com provas marcadas para o início de novembro. Dezenas de países adiaram ou cancelaram exames similares, ou adotaram outras formas de avaliação, para não prejudicar os estudantes nem atrapalhar a quarentena.

No Brasil, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) lançaram o movimento #AdiaEnem, que, entre outras iniciativas, contém um abaixo-assinado que em poucos dias atingiu 340 mil assinaturas de alunos potenciais interessados em fazer a prova. Há um amplo movimento da sociedade em favor do adiamento. Além das entidades estudantis, há conselhos educacionais, especialistas em educação, organizações de dirigentes de instituições federais e estaduais, artistas, políticos e personalidades pedindo que seja adiado. O Ministério Público Federal diz que manter o cronograma viola a Constituição. Existe projeto de lei no Congresso Nacional para adiar o exame. O Senado, sob impacto da pressão de estudantes e outros segmentos da população, tende a aprovar o adiamento.

Mas toda essa movimentação não sensibiliza o governo, que permanece impassível. Para além do desleixo com os mais pobres, a manutenção do Enem é uma tática do governo Bolsonaro para acabar com isolamento social, já a necessidade de preparação para o exame pressiona os estados a voltarem com as aulas presenciais nas escolas públicas. Porém, a sociedade não aceita. Tanta coisa está sendo adiada no Brasil e no mundo em nome da prioridade de salvar vidas. O exame do ensino médio pode ser resolvido após a contenção do vírus.

Afinal, o Enem, associado ao Prouni e a todo um pacote de programas e medidas que visam a democratizar o acesso ao ensino superior, como o Sistema de Seleção Unificada (SiSU) e o Financiamento Estudantil (Fies), é tão importante que se tornou o principal meio de entrada nas instituições federais e em muitas outras universidades públicas em todo o país, que antes recebiam apenas uma pequena parcela de alunos oriundos de camadas mais pobres. Para que continue cumprindo esse papel democratizador, de inclusão social e educacional, de oferecer perspectiva de futuro à juventude, é imperativo que o cronograma seja revisto.

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