Por Sâmia Bomfim e Luana Alves*

De acordo com especialistas, o Brasil está na iminência de se tornar o novo epicentro mundial da COVID-19. Essa realidade trágica, sem dúvida, é resultado de uma política conscientemente orquestrada pelo governo federal, que desestimula o isolamento social e propicia que milhões de brasileiros se infectem pelo coronavírus.

Para além da frieza dos números, o drama da pandemia se traduz em nomes e histórias reais. O sistema de saúde já entrou em colapso em mais de um estado da federação, com esgotamento da disponibilidade de leitos de UTI. Idosos e pacientes de todas as idades chegam a morrer em casa ou em ambulâncias. Já se começam a discutir, também, protocolos para “escolha” de pacientes que devem ou não ser atendidos nos hospitais, de acordo com a escassez de leitos e de aparelhos como respiradores.

É possível assistir a uma escalada da barbárie como essa sem fazer nada? Acreditamos que não. Por isso, o PSOL defende a urgente instituição de uma fila única para todos os leitos hospitalares do Brasil inteiro, sob gestão do SUS, independentemente de pertencerem a hospitais estatais de gestão federal, estadual ou municipal, ou a instituições universitárias, militares, filantrópicas ou privadas.

Toda a capacidade hospitalar do país, na pandemia, deve estar à disposição de qualquer brasileiro, independentemente de sua classe social, raça, gênero, idade, de qualquer outro marcador de diferença e, ainda, independentemente da pessoa possuir ou não plano de saúde. O critério exclusivo para acessar um leito hospitalar no país deve ser, somente, o quadro clínico do paciente.

Essa medida é urgente, sobretudo, tendo em vista a enorme desigualdade que existe no acesso à saúde no Brasil, mesmo que este seja um direito constitucional. E o fato, além disso, de que essa desigualmente gera mortes.

Vamos analisar os números. Hoje, o SUS administra 44% do total de leitos hospitalares do país, mas, em contraste com isso, atende cerca de 160 milhões de brasileiros, o que equivale a 75% de nossa população. Em contrapartida, a rede privada hospitalar dispõe de 56% dos leitos hospitalares, atendendo só 25% dos brasileiros.

O resultado disso é palpável. Já se nota que as taxas de mortalidade são bastante mais elevadas nas periferias pobres (mais dependentes do SUS) do que nos centros ricos ou de classe média. Além disso, dados preliminares apontam que pretos e pardos, embora sejam ¼ dos hospitalizados no Brasil por Síndrome Respiratória Aguda Grave, representam 1/3 das mortes, isto é, morrem mais.

Dessa forma, se é verdade que o coronavírus atinge todas os extratos sociais, não é verdadeiro que ele atinja da mesma forma. E culpa disso não é “do vírus”, mas sim da desigualdade social e da privatização da saúde.

Enquanto no SUS já faltam leitos de UTIs, muitos hospitais privados do país têm leitos ociosos e, em alguns casos, começam a pressionar até pela retomada das chamadas “cirurgias eletivas”, pensando única e exclusivamente no lucro e não na vida. No hospital Albert Einstein, por exemplo, houve uma retração de 20% na taxa de ocupação das UTIs entre o meio e o fim de abril, configurando uma tendência contrária à existente no sistema público.

É claro que os vícios de um processo histórico de desconstrução do SUS não serão corrigidos de uma hora para outra, em meio a uma pandemia. No entanto, uma medida urgente como a fila única pode e deve ser adotada imediatamente.

Além de ser uma decisão humanamente ética, ela tem embasamento na Constituição Federal, que assegura a defesa da dignidade humana e a promoção dos direitos sociais à saúde, à vida e à igualdade.

A decisão também já foi adotada em outros países que enfrentaram picos da COVID-19, como a Espanha, a Alemanha, o Japão e Portugal.

A proposta de “fila única” do PSOL difere, ainda, do que está sendo proposto, por exemplo, pela prefeitura tucana de Bruno Covas. Embora o prefeito aja corretamente no sentido de visar ao uso dos leitos privados de acordo com a demanda pública, o que se está prevendo em São Paulo são “contratações”, por parte do SUS, de vagas ociosas na rede privada, a um preço de mais de R$ 2000 por leito.

Essa medida, entretanto, facilmente pode se misturar com a conveniência para os hospitais privados em “vender” para o SUS o que já estava ocioso — e portanto, não lucrativo — em suas instituições, além de abrir espaço para esquemas de corrupção já tão visados pelas chamadas Organizações Sociais.

A propósito, ao apontar nesse sentido, Covas apenas corrobora outras decisões que já vem tomando em favorecimento das OSs, como nos casos da construção, gerência e contratação de pessoal para hospitais de campanha. Nestes, ao invés de convocar servidores públicos, a opção do prefeito, ao lado do governador Doria, tem sido de promover contratos precários e de terceirizar a gestão para Organizações Sociais privadas. Em resposta a isso, junto ao vereador Toninho Vespoli, entramos no Ministério Público com uma denúncia para que todos os servidores, já aprovados em concursos, sejam imediatamente convocados.

Para que a correta proposta de “fila única” seja efetivada em todo o Brasil, é preciso mobilização e pressão social. Como estratégia institucional, o PSOL seguiu dois caminhos: apresentou ao STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 671), argumentando que, sem a fila única, são infringidos direitos constitucionais fundamentais; e propôs na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2333/2020.

Para preservar vidas e promover a igualdade e a justiça em meio à pandemia, fila única já nos hospitais!

*Sâmia Bomfim é deputada federal (PSOL/SP) e Luana Alves é psicóloga da saúde coletiva.

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