Domingo, dia 3 de maio, um grupo de apoiadores do presidente Bolsonaro agrediu fisicamente uma equipe do Jornal “O Estado de S. Paulo”, que fazia a cobertura de uma manifestação pró-governo, em Brasília. Esta ação acontece no dia Internacional da Liberdade de Imprensa.

A Liberdade de Imprensa é um atributo essencial para o todo jornalista que se preze, e qualidade intrínseca ao exercício da democracia e garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos e da sociedade. A data, que é celebrada desde 1993, tem com objetivo: promover os princípios fundamentais dos media; impedir as violações e combater os ataques à liberdade de imprensa; homenagear os jornalistas, vítimas de ataques terroristas ou que foram assassinados por organizações terroristas, capturados, torturados ou limitados no exercício da sua profissão.

O Brasil, na atualidade, figura entre os países que mais violam estes objetivos, como aponta o Relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), publicado em janeiro de 2020. Segundo dados gerais levantados pelo órgão, em 2019 o Brasil contabilizou 208 ataques a jornalistas e a veículos de comunicação, representando um aumento de 54% em relação a 2018. Foram registrados: “dois assassinatos, 28 casos de ameaça e intimidação, 15 agressões físicas, 10 casos de censura ou impedimento do exercício profissional, cinco ocorrências de cerceamento à liberdade de imprensa por ações judiciais, dois casos de injúria racial e duas ações de violência contra a organização sindical da categoria”.

Na apresentação do Relatório, a FENAJ destacou, ainda, que do total de casos denunciados, 114 dizem respeito a tentativas de descredibilizar a imprensa e 94 de agressões diretas a profissionais. Os dados apresentados destacam a conduta do Presidente Jair Bolsonaro, com relação à imprensa, referindo que partiram dele 58% dos ataques denunciados, chegando a 121 casos. Para a Presidente da FENAJ do Rio de Janeiro, Maria José Braga, “as declarações de Bolsonaro institucionalizam a violência contra a imprensa e seus profissionais”.

A imprensa existe oficialmente em Portugal desde 1641 e, desde logo, a história da imprensa no Brasil ficou marcada pela proibição e pela censura, uma vez que o exercício do jornalismo foi proibido nas Colônias portuguesas. Com a chegada de D. João VI ao Brasil, em 1808, instala-se a Imprensa Régia, a 10 de setembro daquele mesmo ano, com a criação da Gazeta do Rio de Janeiro. No entanto, três meses antes, começa circular de forma clandestina o primeiro jornal independente do Brasil, o Correio Brasiliense, editado na Inglaterra pelo jornalista Hipólito da Costa.

Hipólito justificou e edição do veículo no exterior devido à existência de censura no país: “Resolvi lançar esta publicação na capital inglesa dada a dificuldade de publicar obras periódicas no Brasil, já pela censura prévia, já pelos perigos a que os redatores se exporiam, falando livremente das ações dos homens poderosos”, segundo registro de Werneck Sodré no livro a História da Imprensa no Brasil.

Desde então a imprensa no Brasil sofreu e continua a sofrer ataques por parte dos poderes instituídos, sejam políticos ou econômicos, como se verifica no caso do relatório da FENAJ, que atribui ao próprio Presidente do país, uma série de agressões a órgãos e jornalistas. A sua postura constitui uma grave afronta à liberdade de expressão no Brasil, nos dias atuais.

Não custa recordar que o jornalismo brasileiro passou por sérios ataques à sua liberdade durante o Estado Novo, quando Getúlio Vargas impôs o controle à imprensa com o a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e, ainda mais grave, durante a vigência do Ato Institucional nº 5, instituído a 13 de dezembro de 1968, por ocasião do recrudescimento da ditadura militar iniciada no Brasil, em março de 1964.

O AI 5, como ficou conhecido, mudou os rumos da história da imprensa brasileira, quando impôs aos principais meios de comunicações a obrigatoriedade da convivência com censores dentro das redações e a intimidação de jornalistas, por meio perseguições, prisões e morte, como se verifica no caso do jornalista Vladimir Herzog, morto em outubro de 1975, nas dependência do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em São Paulo.

O AI 5 só foi  revogado a 13 de outubro de 1978, entrando em vigor a partir de 1º de janeiro de 1979, por decreto assinado por Ernesto Geisel, que fazia então a abertura política no país, mas cabe destacar que muito antes da sua revogação os censores da polícia política foram dispensados das redações, porque os proprietários dos grandes veículos adotaram a censura prévia por conta própria, prática em vigor até os dias atuais, agora sob a imposições dos seus patrocinadores.

De todo modo, a revolução digital e a Internet possibilitam a criação de novos veículos, que trazem algum alento ao exercício do jornalismo independente no Brasil, especialmente nos últimos 10 anos. Ainda assim, a conduta de manipulação da informação pelos órgãos tradicionais bem como a praga atual dos fake news, que alastra nas redes sociais, agravam os problemas do setor e contribuem para um clima de intimidação e violência contra os jornalistas, como apontam os dados da pesquisa da FENAJ, já referidos nesta coluna e apresentados em anexo.

Pelo exposto, o dia 3 de maio, deve ser lembrado e compreendido como uma data a ser reverenciada na luta pelo direito à liberdade de expressão. Uma imprensa livre, com direito ao contraditório, é mais que um exercício de cidadania, é o bastião que pode garantir a reposição do funcionamento democrático das Instituições, de forma a assegurar que situações como as já citadas agressões que ocorreram neste domingo em Brasília, não se repitam.

Acesse aqui:
https://fenaj.org.br/violencia-contra-jornalistas-aumenta-54-em-2019/

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