Os 12 formandos negros de Medicina da foto que viralizou nas redes sociais no ano passado, hoje estão no front do combate à Covid-19.

Imagem via @medicinaufrb

Em agosto do ano passado, o curso de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) formou 12 médicos negros, o que correspondeu a 41% dos formandos. A foto que mostra os ex-alunos com a legenda “ Contrariando as estatísticas do perfil racial e socioeconômico de graduandos do Ensino Superior no Brasil, sobretudo na Medicina, estamos aqui” viralizou nas redes sociais na época. 

Diferente da realidade da grande parte das universidades públicas do país, a Federal do Recôncavo da Bahia possui 81% dos seus estudantes autodeclarados pretos ou pardos, 60,2% que vieram da rede pública de ensino e 95% pertencentes às classes C, D e E. 

Com a chegada da Covid-19 no país, doença que já matou mais de 200 mil pessoas em todo o mundo, esses médicos recém-graduados estão trabalhando na linha de frente do combate ao novo coronavírus.

Qual a importância de ter profissionais da saúde negros na linha de frente do combate a essa doença? 

Há pouco mais de dois meses do primeiro caso de Covid-19 confirmado no Brasil, dados divulgados pelo Ministério da Saúde, a pedido da Coalizão Negra Por Direitos, demonstraram que a doença pode ser mais letal entre a população negra. As informações publicadas no início de abril pelo órgão apontam que se contaminados os negros têm mais chances de irem a óbito em comparação aos brancos.

“Muito tem se falado sobre o caráter democrático da Covid-19, acometendo pessoas de diferentes classes sociais e cor, no entanto, os dados relativos às mortes mostram justamente o contrário, existe um corpo que tem morrido mais por conta da doença – e esse corpo é preto”, afirma o médico Vinícius Miranda, formado pela UFRB; o quarto da esquerda para a direita na foto.

Ele explica que as causas que tornam os negros um grupo de risco do coronavírus têm a ver com as desigualdades estruturais a que estão submetidos historicamente. Comorbidades como hipertensão arterial sistêmica, diabetes melitus, tuberculose, doenças renais e hepáticas são mais prevalentes nessa população. Moradias precárias, ausência de saneamento básico e má alimentação predispõem essas enfermidades. Os negros, estando submetidos a essas condições de vida, se tornam a grande parte nesses grupos de doenças. 

Fabíola Dantas, a quarta da direita para a esquerda na fotografia, de vestido branco, hoje, é médica residente da Unidade de Saúde da Família da zona rural, em Santo Antônio de Jesus, município da Bahia. Ela diz que geralmente médicos negros se reconhecem em pacientes negros e vice-versa e essa identificação estreita relações e qualifica o cuidado, o que é fundamental, porque um sintoma que passe despercebido durante um atendimento hospitalar pode postergar um diagnóstico e até resultar em óbito do paciente.

“Estar na linha de frente nos possibilita olhar para os nossos com mais empatia e cuidado, nos permite estar mais atentos às queixas e demandas dessas pessoas, e sobretudo nos permite realizar um exame clínico adequado, o que também lhes é de direito”, explica Fabíola. 

Ideias distorcidas sobre a população negra estão presentes em muitos espaços, inclusive na Medicina. Em relação à área, há o estereótipo de que as mulheres negras não precisam de uma dosagem plena de anestesia durante o parto, por serem “mais fortes” que as mulheres brancas. Segundo a reportagem “Nas maternidades, a dor também tem cor” realizada este ano pela Agência Pública de Jornalismo Investigativo, foram reveladas informações que provam que as chances de uma mulher negra não receber analgesia é o dobro de uma mulher branca. No olhar de Vinícius, a maior presença de profissionais negros em todos os setores, inclusive na saúde, poderia evitar situações como essa, e é enfático ao dizer que “A representatividade é importante sim!”.

A realidade de quem trabalha no enfrentamento ao coronavírus

Fabíola chama a atenção para orientações médicas para o combate ao coronavírus. A princípio são dicas simples, mas que para serem seguidas é necessário o uso de utensílios básicos, como água e sabão. Ela conta que alguns pacientes que atende não possuem sequer água em casa para a lavagem das mãos, uma das principais maneiras de enfrentamento ao coronavírus, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Como orientar a intensificação de lavagem das mãos e uso de álcool em gel para pessoas que não possuem nem banheiro em casa e têm de lidar com a falta de água no dia a dia? Como sugerir alimentação saudável e variada para famílias que não sabem como vão fazer para garantir o feijão e a farinha do dia seguinte? É disso que estamos falando e é com essas e outras realidades que lidamos” questiona a médica.

Outra preocupação de Fabíola neste momento é não perder de vista os pacientes crônicos que necessitam de acompanhamento. As doenças crônicas são responsáveis por um alto percentual de mortalidade no planeta. Câncer, diabetes, doenças pulmonares e cardiovasculares, por exemplo, matam cerca de 41 milhões de pessoas a cada ano, respondendo por 71% de todos os óbitos no mundo – dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). 

No município de Sapeaçu, onde Vinícius Miranda trabalha, localizado no estado da Bahia, não há casos confirmados de coronavírus, apesar de testes já terem sido realizados. A equipe técnica de combate à Covid-19 de que é membro, junto com a Secretária de Saúde, desenvolve ações de conscientização à população, cria barreiras sanitárias nas entradas da cidade para aferição da temperatura corporal e já distribuiu 10 mil máscaras de tecido à população, além de todos os profissionais da saúde da área hospitalar e da atenção básica estarem sendo capacitados. Na opinião do médico, essas iniciativas estão sendo fundamentais para a realidade atual do local em relação ao coronavírus. 

Os desafios de estar na linha de frente são diversos, médicos têm de lidar com problemas, como a falta de equipamentos de proteção individual nos hospitais (EPIs), demora por exames e faltas de leitos de UTI. No entanto, para os médicos negros os desafios não são somente esses. O racismo está presente em suas trajetórias ao se revelar como um determinante da saúde no Brasil, definindo quais pessoas terão acesso aos serviços de saúde de qualidade e quais poderão cursar uma graduação de Medicina. Médicos como Fabíola Dantas e Vinícius Miranda travam uma luta pelos direitos da população negra ao “combaterem todo o abandono e a dificuldade de acesso historicamente vivenciada por negros ao sistema de saúde”, assim como declarou Fabíola em entrevista. 

Em meio ao caos, brindemos com doses de representatividade. Tintim!

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