“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.

Começo citando o patrono da educação brasileira, Paulo Freire, seguindo a linha de cuidado com os nossos pequenos e pequenas em tempos de coronavírus, amplio a conversa para um assunto muito discutido nas famílias brasileiras: a Escola e os assuntos interligados a ela diante da pandemia: a suspensão das aulas, as aulas on-line, as dicas dos professores, a falta de alimentos (merenda, base alimentar de muitos estudantes), os cuidados que permitem os responsáveis trabalharem durante o período escolar, a falta de informação, uso das tecnologias, cadê o wi-fi liberado? Método novo/velho, leis, adesão por interesse, ano letivo, perda do ano, professores adoecidos, crianças e famílias adoecidas e uma pandemia para todo mundo dar conta!

Conversei com muitos professores e familiares, todos amigos bem próximos, acompanhei atenta os materiais produzidos nesse primeiro mês de quarentena no Brasil. O desespero é geral, a suspensão das aulas por conta da COVID-19 nos coloca a enxergar os sistemas educacionais arcaicos, que ainda vivenciamos diariamente: a escola (e sua forma) é do século XIX, os professores (muitos) do Séc XX e nossos estudantes do Séc XXI. Tudo isso não sincroniza há muito tempo. A sala de aula física com o professor e um quadro não atendem por completo a necessidade dos estudantes contemporâneos. Temos 35,8 milhões de estudantes matriculados na Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II, segundo o censo escolar de 2019. Milhões de professores e estamos todos em casa. O governo federal, na pessoa do ministro da Educação, depois de despejar inúmeras ofensas e piadas aos chineses, culpando-os pela pandemia, resolve passar a bola para os governadores e prefeitos. Assim cada estado/município está agindo à sua maneira, por vezes ampliando as formas e face do abismo social eminente no nosso país. Sem um direcionamento oficial e pontual, a educação vive literalmente uma condição de cada um por si, na qual os mais pobres e com acessos reduzidos têm menos assistência de um modo geral, como sempre.

O ensino à distância, que promoveu uma imediata comunicação via internet, se fez necessário entrar em campo, sem preparação prévia por todo país. Nas redes de ensino público e privado, começaram diversos movimentos de atividades on-line para as crianças e adolescentes fazerem de casa, definidas por seus respectivos governantes. Diferente do EAD (ensino à distância que pode ser feita em diversas tecnologias de comunicação), essas atividades on-line são disponibilizadas nas mais variadas plataformas digitais, cada escola descobriu por conta própria seu melhor caminho, site próprio, redes sociais, aplicativos, grupos virtuais, com o intuito de resolver o colapso na educação gerado pela falta de possibilidade da interação presencial no ambiente escolar. Com isso, a elaboração desses materiais, o acompanhamento feito pelos professores, os cumprimentos das leis educacionais, a interação familiar e o acesso (on-line) vêm sofrendo alterações diariamente. A rede privada de ensino já, em sua maioria, vêm se organizando, e após as resoluções tomadas pelos governantes, formalizou as aulas on-line em tempo real, fazendo com que as famílias se reorganizem em casa para que o estudante entre em aula com o professor ao vivo numa das plataformas digitais (reforçando ainda mais a desigualdade social).

A rede pública vem criando aplicativos para condensar as atividades e popularizar entre os estudantes os conteúdos gerados dessa nova fase da educação. Os professores têm sentido dificuldades para elaborar esse material, sentem-se despreparados e cobrados em atividades que, para muitos, são inovadoras e tecnologicamente inviável diante da formação de origem e condições tecnológicas, muitos não têm computador ou celular com espaço para armazenamento e aplicativos. As famílias, além de se proteger do vírus, precisam se esforçar para manter a sanidade mental e garantir o acesso das crianças a tais plataformas. E as famílias sem recursos, sem internet? Ninguém estava preparado para esta pandemia. Sejamos mais empáticos com os educadores e nossos estudantes. A tecnologia e o processo de ensino-aprendizagem caminham lado a lado desde sempre. A forma que olhamos para isso é o que muda.

Enxergo uma grande oportunidade de virada de chave na educação básica. Voltaremos às escolas e aos ambientes escolares com novos olhares (mais amigáveis) para as tecnologias. Os educadores, gestores e estudantes, ao longo desse processo, reconheceram que estão mais inseridos nas práticas tecnológicas do que pensavam até agora. Áudios, podcasts, WhatsApp, telegram, youtube, aplicativos, jogos, google drive, google classroom, receita de bolo, da feijoada ou qualquer outro prato da família, divisão das tarefas domésticas, celular, computador, TV, rádios, atividades do cotidiano, tudo isso é uma fonte inesgotável de possibilidades de aprendizagem e acredito que pós pandemia se manterão como ferramentas indispensáveis do dia a dia escolar.

“A escola não é um edifício, são as pessoas”, diz o educador José Pacheco.

“A aprendizagem não depende de edifício, salas de aula, quadro ou giz. Não precisa sequer de aulas no modelo tradicional. A escola é feita de pessoas e é nessas pessoas que todo o sistema de educação deve focar.” Aos professores sugiro que comecem a repensar a aplicação de seus conteúdos, flexibilizando-os, abrindo uma escuta do dia a dia desses estudantes, linkando as atividades aos afazeres domésticos, aos acontecimentos individuais e coletivo, possibilitando a troca e a colaboração entre eles. Já imaginou começar a aula on-line ou a atividade perguntando o que tem para refeição do dia? E caso, alguém não tenha nada, que isso possa ser uma pauta a ser tratada pelo grupo como um problema a ser resolvido num formato de solidariedade. Que os governantes tomem medidas que assegurem o exercício dos direitos à educação de qualidade para todos. Num sistema de aulas on-line cadê o diálogo com as grandes empresas para dar acesso gratuito à internet para quem precisa? #liberaowifi

Tudo isso tem relação direta com processo de aprendizagem que é uma ação que se dá na interação com o mundo, pela linguagem e pelo contexto social, ignorar tais aspectos condena o processo de aprendizagem ao fracasso. A pressão para avanços no momento de pandemia, cobrança de resultados, aceleração conteudista que buscam respostas para APRENDER desconsiderando o momento atual, as condições sociais e culturais, não só reproduz os métodos de ensino tradicionais colonizados como não atendem as necessidades formativas do século XXI.

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