A demissão de Luiz Henrique Mandetta não pegou ninguém de surpresa. Há pelo menos duas semanas o país aguardava mais um ato intestinal de Bolsonaro.

Embora seja notório para qualquer pessoa minimamente razoável que não é possível demitir um ministro da saúde em meio a uma pandemia global, era também óbvio que essa seria a ação de Bolsonaro, que somente não se consumou antes porque foi temporariamente contido por dois generais, Walter Braga Netto, da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo.

Bolsonaro é um sujeito que não conhece noção de razoabilidade ou bom senso e que só pensa preventivamente quando está em jogo o bem estar dos seus problemáticos filhos.

Com um ego gigantesco e sentindo-se ofuscado pelo espaço que Mandetta ganhou junto à mídia e à opinião pública, nenhum conselho, mesmo vindo de generais, seria suficiente para impedir essa demissão.

Mas sabemos que o epicentro do conflito entre Mandetta e Bolsonaro foi o isolamento social, medida considerada a única comprovadamente eficaz para prevenir o avanço do coronavírus, defendida pela Organização Mundial de Saúde e, até então, pelo próprio Ministério da Saúde.

Desde 24 de março, dia do primeiro pronunciamento em rede nacional de TV e rádio feito por Bolsonaro acerca do coronavírus, as diferenças de entendimento entre o presidente e o ministro ficaram explícitas. De um lado, Bolsonaro. De outro, o resto do mundo. E mesmo estando sozinho, ladeado tão-somente por sua claque, à margem da ciência ou de qualquer órgão de pesquisa minimamente respeitável, Bolsonaro insiste na ideia de isolamento seletivo apenas para idosos e pessoas do grupo de risco, no melhor estilo “fi-lo porque qui-lo” [sic] e pede a volta à “normalidade”, a reabertura do comércio, das escolas e universidades.

Mandetta já havia desabafado à revista Veja: “Você vai, conversa, parece que está tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo”. E como Mandetta não cedeu o suficiente em relação ao isolamento, hoje veio sua demissão.

O nome do sucessor é pouco conhecido no meio político, mas Nelson Teich havia sido colaborador de Bolsonaro em sua campanha presidencial e havia sido cogitado para o cargo desde então, mas foi preterido por Mandetta, indicado por Ronaldo Caiado (DEM). Aliás, outra repercussão dessa demissão a avaliar é o quanto ela impacta as relações do Planalto com o Democratas, partido que ocupa a presidência tanto da Câmara, quanto do Senado.

Nelson Luiz Sperle Teich é médico, especializado em oncologia, empresário e sócio da Teich Health Care, uma consultoria de serviços médicos. A princípio, não parece haver muitas diferenças ideológicas entre o perfil de Mandetta e de Teich, ambos ligados ao lobby da privatização da saúde e de desmonte do SUS.

E muitas pessoas estão se apressando em declarar que o novo ministro, assim como Mandetta, é favorável ao isolamento horizontal, em razão de um artigo de sua autoria, intitulado “COVID-19: Histeria ou Sabedoria?”, em que defendeu que “o isolamento horizontal é uma estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que permitam a retomada econômica do país”.

Não creio ser prudente essa conclusão precipitada. Lembremos que sempre é possível pedir “esqueçam o que escrevi”.

E o pronunciamento de Teich, hoje, ao lado de Bolsonaro, recomenda cautela. Aliás, nem seria de esperar que Bolsonaro cedesse em relação ao que se tornou um ponto de honra para ele: relaxar o isolamento.

Teich começa sua gestão assegurando que não vai haver qualquer definição brusca e afirmando a necessidade de se ter informações sobre o resultado de cada ação tomada. Ele fala da importância de se colher mais informações e que a definição do tipo de isolamento seja resultado dessa colheita de informações sólidas.

Ele também afirma que economia e saúde não podem ser vistas como antagônicas, pois o desenvolvimento econômico “arrastaria” outros fatores de desenvolvimento, como a saúde. A princípio, tendemos a concordar. Entretanto, o eco da voz de Bolsonaro nos faz compreender que ao falar de desenvolvimento econômico, o que está sendo dito é que os trabalhadores devem retornar à “normalidade”, ainda que ao custo de suas vidas e saúde.

Fala ainda em um ministério pautado por decisões técnicas e científicas, fala em vacinas e em medicamentos, mas não fala em testagem, o que causa espanto. Afinal, o Brasil é país com menor índice de testagem entre os países mais atingidos e provavelmente com maior subnotificação da Covid-19. Decisões calcadas em informações sólidas, como o novo ministro clama, só seriam possíveis com aumento significativo da testagem.

O pronunciamento de Bolsonaro é mais direto. Diz que não se pretende abandonar a vida, mas sem esquecer o desemprego. Já sabemos que a liberação do pagamento do auxílio emergencial, a garantia de salários e a proibição de demissões estão fora de cogitação, pois sabemos que Bolsonaro dobra a aposta no caos e na fome para não ceder quanto ao isolamento, sobre o qual diz ter conversado com o novo ministro a fim de se chegar à sua abertura gradativa. Estão alinhados quanto à isso, não resta dúvida.

Teich é sutil, mas para bom entendedor, ele deu o recado: não vai haver tudo ou nada. Alguém duvida de que ele está falando do isolamento?

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