Portugal, desde 26 de março, entrou na terceira fase da quarentena de combate ao Covid-19, que fora determinada pela Direção Nacional de Saúde, a 13 de março. A decisão de encerrar tudo que fosse necessário para contenção do avanço de transmissão do vírus se deu um dia depois da Organização Mundial de Saúde (OMS) mudar o protocolo de evolução da doença de epidemia para pandemia. As autoridades de saúde do país caracterizam esta terceira etapa como um período de mitigação – avaliado como o mais grave no que diz respeito às respostas a doença -, agora ativada para conter a transmissão local – em ambientes aglomerados – entendida como transmissão comunitária. Estas respostas visam conter a propagação da doença e restringir a sua letalidade.

Para isso, foi definida aplicação do teste em pessoas com suspeita de infecção e que apresentem sintomas já conhecidos do covid-19, e para três grupos identificados como prioritários: pacientes com orientação de internação hospitalar, os recém-nascidos e as grávidas e profissionais de saúde que manifestem sintomas da doença. Seguem a estes os doentes considerados de risco: cardíacos, diabéticos, hipertensos, asmáticos e com doenças pulmonares, pacientes com câncer, doentes hepáticos ou renais crônicos, como também, pessoas em situação vulnerável, residentes em lares e pessoas que tiveram contato próximo a alguém que apresente o histórico da doença.

Portugal tomou contato com o covid-19 de forma preliminar logo que a doença avançou para o pico de gravidade na cidade chinesa Wuhan. No dia 2 de fevereiro, autoridades sanitárias em conjunto com autoridades francesas repatriaram 17 portugueses que se encontravam naquela cidade. A França enviou um avião C-130 da sua força aérea para resgatar cidadãos franceses e outros 350 cidadãos europeus, entre estes, se encontravam duas atletas brasileiras que jogam futebol em clubes chineses e que seguiram com os 17 portugueses para Lisboa, depois que o presidente brasileiro se recusou a atender os seus pedidos de repatriação.

O grupo foi submetido a 14 dias de quarentena, período em que as autoridades sanitárias observaram o processo de confinamento e os possíveis sintomas da doença, que ao final não se apresentou em nenhuma das pessoas, mas serviu como experiência. Durante este período, a Direção Geral de Saúde manteve contato com as autoridades chinesas para se informar sobre os procedimentos junto ao grupo em quarentena, e compreender o processo de evolução da doença em Wuhan, que até a então contava com cerca de 14 mil pessoas contaminadas e 304 óbitos confirmados. Na ocasião a autoridade sanitária portuguesa, Graça Freitas, definiu como referência de unidade de atendimento aos possíveis casos de contágio da doença no país, os Hospitais Curry Cabral e Dona Estefânia em Lisboa, e o Hospital São João, no Porto.

Em Portugal, os primeiros casos confirmados da doença foram registrados no dia 2 de março, quando já havia um relativo controle da propagação do covid-19 na China, com a diminuição do número de mortos, enquanto isso se dava o processo de contaminação acelerado no norte da Itália, a partir da cidade de Milão. Desde então a doença se alastra pelo continente, mas tanto a OMS quanto as autoridades da União Europeia demoram a tomar as providências de mitigação já experimentadas na China, determinadas apenas depois que a OMS resolveu decretar estado de pandemia pelo covid-19, a 12 de março. Como referido, Portugal colocou em prática a quarentena no dia seguinte e decretou estado de emergência no dia 19 de março.

Desde então o governo português do primeiro-Ministro socialista António Costa tem tomado medidas de ordem sanitária e econômica para frear o avanço da pandemia e dirimir os seus efeitos tanto na saúde física dos portugueses quanto na saúde financeira dos trabalhadores e empreendedores financeiros do país. Para isso, o primeiro Ministro editou 30 medidas econômicas, que definem regras de financiamento público para o setor produtivo e de garantia de salário e emprego para trabalhadores, por três meses.

Estas diretrizes possibilitaram ao governo manter o confinamento horizontal da população e conter o surto de transmissão do vírus emergencialmente, impedindo a saturação do sistema de saúde pública e a perda de vidas. O primeiro-ministro convocou os empresários a manter preservados o emprego e os rendimentos das famílias, e aprovou linhas de crédito às empresas – mesmo aquelas que encerraram as suas atividades no período – desde que se mantenham os postos de trabalho.

Enquanto busca soluções para controlar a pandemia e conter a transferência dos riscos decorrentes da crise sanitária para a saúde financeira do país, Costa tem-se deparado com a insensibilidade de alguns dos seus pares europeus, e com a falta de respostas da União Europeia frente aos mesmos problemas, que parecem inequívocos e que deverão atingir todo o Bloco. Com relação à crise sanitária a União Europeia se comporta de forma fria, para não dizer desumana, deixando Itália e Espanha sozinhas frente uma tragédia sem precedentes no continente desde a gripe espanhola (1918 a 1920)

Como reação à velocidade de propagação vírus, vários países do Bloco viraram as costas aos problemas dos vizinhos fechando fronteiras parcial ou totalmente e negando ajuda humanitária, como por exemplo, o anúncio de bloqueio à exportação de máscaras cirúrgicas para a Itália ou interferência da Alemanha na compra de ventiladores por Portugal junto à China, enquanto profissionais de saúde entregavam as suas vidas para salvar milhares de outras vidas e conter uma doença que avança sobre todos.

De uma hora para outra irrompe a pergunta que não quer calar: há solidariedade na Europa? E logo é possível compreender que se estende aos países membros do Bloco, com menos recursos, os mesmos procedimentos utilizados contra os refugiados que aportam nos mares europeus, de onde são escorraçados. O socorro que chegou a Itália até agora, partiu de Cuba, Rússia e China, que enviaram médicos, técnicos e equipamentos.

A mesma insensatez reaparece como reação aos pedidos de ajuda econômica desses países, que seguramente seguem fragilizados desde a crise de 2008 quando alguns foram obrigados a se submeter às medidas draconianas da “troika”, grupo que reúne o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu e Comissão Europeia, composto por analistas e economistas responsáveis pela negociação com os países que agenciem um pedido de resgate financeiro, com o compromisso de consolidar as suas contas públicas.

No final de março, os chefes de Estado da União Europeia fizeram uma reunião por videoconferência, dispostos a construir unanimidade para a implementação de um instrumento europeu comum de emissão de dívida -coronabonds- de forma a enfrentar a crise provocada pela covid-19, mas alguns líderes negaram ajuda aos países mais afetados pela pandemia. A decisão, levou o Primeiro-Ministro António Costa a reagir de forma incisiva às declarações do Ministro das Finanças dos Países Baixos, Wopke Hoekstra, que provocou a Comissão Europeia a investigar países como Espanha e Itália, que afirmaram não ter margem orçamental para lidar com crise atual. O Ministro questionou a lisura das afirmações das autoridades dos dois países declarando haver crescimento consecutivo na zona euro nos último sete anos.

Em entrevista coletiva à imprensa portuguesa (ver link abaixo), com forte repercussão em todo o Bloco, Costa rebateu a afirmação do Ministro Hoekstra: “Esse discurso é repugnante. A expressão é mesmo esta: repugnante. Não estamos e ninguém está disponível para voltar a ouvir ministros das finanças holandeses, como aqueles que já ouvimos em 2008, 2009 e 2010. É uma boa altura de compreenderem todos que não foi a Espanha que criou o vírus nem que importou o vírus, atingiu-nos a todos por igual. Se não nos respeitamos e se não compreendemos que perante um desafio comum temos de ter capacidade de responder em comum, então ninguém percebeu nada do que é a União Europeia”, frisou.

O primeiro-Ministro foi ainda mais incisivo ao afirmar: “União Europeia ou faz o que tem de fazer ou acabará”. Costa disse também, que só as pessoas que não têm a menor sensibilidade ou compreensão do que é esta realidade dramática, que estão todos a enfrentar neste momento, podem fazer esse tipo de afirmação: “A última coisa que qualquer político responsável pode fazer neste cenário é não compreender que a prioridade das prioridades é salvar vidas e combater este vírus. É criar condições para tão rapidamente quanto possível, as empresas poderem funcionar, os empregos voltarem a ser seguros, as famílias poderem voltar a ter rendimentos. Só assim é que as finanças públicas são sustentáveis”, assegurou.

Costa defendeu que não há finanças públicas saudáveis com economias mortas, pessoas no desemprego e colapsos no sistema de saúde: “Isso são ficções dos manuais neoliberais, que não existem, e um ministro das Finanças, seja de que país for, tem de compreender muito bem as prioridades”, frisou. O Primeiro-Ministro sustentou ainda que não há país da União Europeia que esteja preparado à partida para enfrentar situações com esta dimensão, e concluiu: “É preciso não ter a noção do que é viver num mercado interno como aquele em que nós vivemos para alguém poder ter a ilusão de que consegue resolver o problema da pandemia na Holanda se a pandemia continuar a se generalizar na Itália ou em Espanha ou em qualquer outro sítio. Vivemos num mercado de fronteiras abertas”, concluiu.

Independente da falta de ação e mesmo negação de apoio da União Europeia, o governo de António Costa consegue montar uma operação de enfrentamento das ameaças do covid-19, com relativo sucesso até o momento. Parte desse êxito deve-se, é verdade, ao espírito civilizado dos portugueses, que emprestam apoio às medidas adotadas, assim como os trabalhadores, os empresários e partidos políticos, incluindo a oposição, que compreenderam a necessidade de compor com o Governo neste momento.

O esforço de todos demonstra a maturidade da sociedade frente à gravidade da pandemia, agravada pela fragilidade do sistema de saúde pública do país, desde a crise de 2008, como é de conhecimento. É no Sistema Nacional de Saúde, aliás, que o governo socialista enfrenta os seus maiores problemas e desafios, desde antes da pandemia. Ainda assim, Portugal é um dos países menos afetado até agora na Europa, embora a cidade do Porto demande preocupações, com o agravamento da situação e exija desde já um cordão de isolamento na região, de forma a que o surto não se espalhe. Nesta terça-feira, 7, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que escolas e universidades continuam fechadas com as aulas mantidas regularmente à distância: “Precisamos de ganhar em abril o mês de maio para podermos virar uma página no final de abril”.

Portugal tem demonstrado solidariedade e dá exemplos de generosidade, como no caso do acolhimento das atletas brasileiras e, mais recentemente, quando permitiu que um navio de cruzeiro turístico aportasse em Lisboa. Impedido de atracar em outros países europeus, por suspeita de contaminação a bordo, Portugal recebeu e fez testes em todos os passageiros e tripulantes, e depois providenciou o embarque dos mesmos para os seus países de origem em voos fretados pela empresa de navegação.

Por fim, Portugal definiu uma política para os imigrantes e requerentes de asilo com pedidos de autorização de residência pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em resposta à pandemia do covid-19. Com esta medida, desde o dia 30 de março todos os estrangeiros nestas condições serão considerados como residentes e terão acesso, por exemplo, ao sistema de saúde do país. Para terem acesso aos hospitais, basta que apresentem uma justificativa comprovando que já deram entrada em seus documentos de regularização junto ao órgão. Além disso, poderão ter o benefício de prestações sociais, fazer abertura de contas bancárias e formalizar contratos de trabalho ou de locação de imóveis.

*Acesse aqui a entrevista do primeiro-Ministro António Costa:

 

 

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