A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 7º, inciso IV, que é direito dos trabalhadores a percepção de um salário mínimo. É sabido que a inclusão no mercado de trabalho – que, por sua vez, assegure a percepção da remuneração mínima estabelecida em lei – é algo que depende de uma série de fatores: qualificação profissional, além das condições adequadas de crescimento econômico e geração de empregos são algumas dessas variáveis que permitem ora maior, ora menor inserção da população economicamente ativa em postos de trabalho.

Mesmo em períodos de elevado crescimento econômico, quando logramos êxito em atingir o que se denomina de pleno emprego, observa-se uma taxa de desemprego em percentual elevado. O fato é que não há, na história recente, precedentes de que tenhamos conseguido proporcionar oportunidades, emprego e renda a todos, de modo a permitir inclusão social e redução da desigualdade apenas com os esforços dos postulados e axiomas do mercado.

O Estado tem função redistributiva e precisa, senão equalizar, ao menos reduzir as diferenças sociais. E a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da doença Covid-19 é a prova de que, em situações extremas, não há como prescindir da capacidade de atuação do Poder Público, único ente capaz de mitigar os impactos negativos de uma crise de tais proporções.

Urge, portanto, pensar e implementar outras formas de inclusão social e redução das desigualdades, além de daquelas historicamente já implementadas até aqui. Uma delas é a institucionalização de uma renda mínima cidadã a que faça jus qualquer cidadão que se encontre em determinadas condições de vulnerabilidade. Proposta, no Brasil, pelo ex-senador e hoje vereador da cidade de São Paulo, Eduardo Suplicy (PT-SP), a denominada renda básica de cidadania (ou renda básica universal) seria alternativa essencial e eficiente para o combate à desigualdade e promoção da inclusão social de milhões de pessoas.

O núcleo fundante do conceito de renda mínima é o mesmo que se encontra no cerne dos direitos e garantias fundamentais do cidadão: a dignidade da pessoa humana. Não se deveria conceber, em pleno século XXI, que pessoas não detivessem as mínimas condições de alimentação. Citaria ainda o acesso à moradia digna, ao vestuário, à higiene, ao transporte, à educação, à saúde, ao saneamento básico, ao lazer, à assistência social, ao trabalho, à previdência social. Mas, aplacar a fome, suprindo a existência com aquilo que alimenta o corpo e permite a busca pelo alimento da alma, do espírito e das demais condições para o exercício da cidadania plena é um pré-requisito anterior a todos os demais. Programas como o Fome Zero e Bolsa Família tiveram papel histórico fundamental para diminuir ou mitigar os efeitos da fome e da extrema pobreza em nosso país. Mas, é preciso avançar ainda mais.

Tomemos como exemplo o Estado do Acre. Segundo dados da PNAD Contínua e do CAGED, sistematizados pelo Econ. Prof. Orlando Sabino da Costa, hoje, nosso Estado detém uma população de 870 mil habitantes. Destes, são considerados como integrantes da população economicamente ativa – PEA (ou população em idade de trabalhar) as pessoas acima de 14 anos, que trabalham ou procuram emprego (76% da população), equivalente a 663 mil pessoas. Destes 663 mil, 352 mil estão na chamada força de trabalho (empregados ou procurando emprego). Fora da força de trabalho (desemprego voluntário) são 311 mil. Dos 352 mil que integram a força de trabalho, 304 estão ocupados e 48 mil estão desocupados, o que significa uma taxa de desemprego de 13,6% da PEA. Dos 304 mil ocupados, cerca de 148 mil são trabalhadores informais. Tanto os trabalhadores informais (148 mil) quanto os desempregados (48 mil) estão à margem, excluídos da rede de proteção que assegura determinados benefícios ao trabalhador formal, tais como o seguro-desemprego.

No caso do Acre, suponhamos que a renda mínima cidadã fosse atribuída àquele percentual da PEA que se encontra desempregada. Estaríamos falando de um contingente de 48 mil pessoas a ser beneficiada com metade do valor do salário mínimo vigente (R$ 1.045 / 2 = R$ 522,25), por mês. Isso representaria o montante de R$ 25.068.000,00 (vinte e cinco milhões, sessenta e oito mil reais) mensais, perfazendo o total de R$ 300.816.000,00 (trezentos milhões, oitocentos e dezesseis mil reais) ao ano, em um orçamento de mais de R$ 6 bilhões. Ou seja, com menos de 1/18 (um dezoito avos) do valor do orçamento, o Estado iria assegurar renda mínima e dignidade para quase 50 mil famílias em todo o Acre.

O destino de quase que a totalidade desses recursos seria o comércio de bens de consumo não-duráveis, sobretudo gêneros alimentícios e vestuário. Aliás, é possível estabelecer mecanismo de controle destes gastos – mediante uso de cartão magnético – disciplinando a obrigatoriedade de que tais recursos sejam gastos apenas em estabelecimentos formais, com expedição obrigatória de nota fiscal, como garantia tanto de não-sonegação quanto de que parte significativa de tais recursos retornaria aos cofres públicos na forma de tributos.

Com base no exposto, inspirado na Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004 (que institui a renda básica de cidadania), apresentei uma Proposta de Emenda à Constituição Estadual – PEC, que visa alterar a redação do caput do artigo 182 da Constituição do Estado do Acre, acrescendo-lhe os parágrafos 1º, 2º e 3º; bem como um Projeto de Lei Complementar – PLC, de modo a instituir o conceito de renda mínima cidadã e o respectivo programa de transferência/distribuição de renda aos cidadãos acreanos.

Na quinta e última parte desta série de artigos, abordaremos os demais impactos da pandemia na Economia.

Até amanhã!

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