Arte da capa do livro “A nova mulher e a moral sexual” da escritora Alexandra Kollontai.

Já faz um tempo que ando me questionando sobre as formas de amor e construção de laços afetivos que acontecem entre as sapatonas.

Longe de mim querer “cagar regra” dentro dos relacionamentos alheios, mas enquanto parte do grupo, me sinto afetada por algumas atitudes.

Sendo eu uma mulher negra e sapatão, por que iria querer reproduzir os modelos estruturais que me oprimem diariamente? O machismo, a posse, o controle e tratar outro corpo como minha propriedade.

Por não termos contato com outras formas de amor durante a nossa infância, adolescência e até mesmo a vida adulta, acabamos por repetir esse comportamento do amor romântico-tóxico-heteronormativo imposto pelo patriarcado.

Veja bem, as novelas, músicas e a nossa cultura no geral, massificam nas nossas mentes que o amor é: um homem cis hétero com uma mulher cis hétero se amando apenas entre eles para o resto de suas vidas.

Sabe aquele conceito de alma gêmea? Como se fôssemos seres incompletos que necessitam de uma parte para se completar, basicamente a história bíblica de Eva que foi criada da costela de Adão.

Essa criação surgiu há séculos atrás quando as famílias ricas se uniam para continuar mantendo a propriedade privada e o acúmulo de bens. Os casamentos eram por obrigação e não por amor. A construção de almas gêmeas foi uma das ferramentas para legitimar esse comportamento e temos isso até hoje.

A partir disso, surgem vários comportamentos que são autorizados por essa criação de amor: o ciúme, a posse, controle, tratar a outra pessoa como se fosse um objeto que compramos no mercado. Uma lógica capitalista de amor burguês.

Por não termos representação de amor sapatão durante a nossa criação, acabamos internalizando essa forma de afeto, junto com outros comportamentos heteronormativos.

Quais comportamentos? O papel de “homem” “mulher” dentro de uma relação entre duas mulheres, por exemplo. A imagem da “bofinho” que namora a “barbie”, junto com esses esteriótipos, incorporamos todos os comportamentos que aqueles papéis carregam, sendo esses comportamentos extremamente tóxicos.

Quantas sapatonas vocês conhecem que estão num namoro com outra mulher que: tem ciúmes das amigas, mexe no celular dela para olhar as conversas, não deixa ela sair sozinha, obriga ela a parar de falar com determinada pessoa, não deixa ela chegar perto das ex e por ai vai.

Esses comportamentos não vem todos juntos (se vier, corre amiga que é cilada), mas em diversos momentos nos deparamos com eles ou com coisas mais sutis.

Não deveria existir hierarquia e reprodução de opressões dentro de uma relacionamento entre duas mulheres. A equidade, empatia e companheirismo deveriam ser a base.

O amor só se desenvolve em liberdade e essa liberdade só chega quando entendemos a outra como alguém dona de si, uma companheira de vida que está disposta a compartilhar a caminhada conosco.

E não alguém incompleto que precisa ser submissa as nossas vontades e desejos. Assim como contaram aquela história de Eva que veio da costela de Adão. Até porque nós não vamos desejar apenas uma pessoa para o resto de toda a nossa vida, é muito tempo.

Nós mulheres lésbicas e negras não somos seres incompletos!

Se você ama alguém, é necessário entender que aquela pessoa é livre, tem uma personalidade própria e não está ali para suprir suas demandas emocionais e sim compartilhar momentos com você.

Quando duas pessoas se relacionam, não deveria ser necessário fazer certas renúncias de quem são para poder ficarem juntas.

Quando nos livramos desses sentimentos do amor-romântico-tóxico-patriarcal-heteornormativo, damos abertura para novos sentimentos como: respeito, empatia, solidariedade, fraternidade e acima de tudo liberdade.

Fica a reflexão para pensarmos em novas formas de amor e de relação, quem sabe até numa não monogamia com responsabilidade afetiva…. Mas esse assunto fica para outro texto!

Referências Bibliográficas e dicas de leitura:

  • A nova mulher e a moral Sexual – Alexandra Kolontai
  • A origem da família, da propriedade privada e do estado – Friedrich Engels
  • Para cultivar em 2019: o amor camarada – Debora Baldin (vídeo)
  • Pedagogia do Oprimido – Paulo Freire
  • Vivendo do amor – bell hooks
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