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Àgò, é licença de quem chegou pelas encruzilhadas, acomodando em si, cada uma das vozes silenciadas, por quem se disse universalidade. Exú é a voz de cada ser da diáspora africana, e por ele, eu também chego.

Laroye para quem me convida à prosa, o Ancestral da comunicação por excelência.

“Exú matou um pássaro ontem, com a pedra que atirou somente hoje.

 Se ele se zanga, pisa nessa pedra e ela põe-se a sangrar.

Aborrecido, senta na pele de uma formiga.

Sentado, sua cabeça não bate no teto; de pé, não atinge a altura do fogareiro”

[verso da sabedoria afro-brasileira dos terreiros de candomblé]

Essa conversa parte daquele que no movimento explicita as contradições, contrapontos e os conflitos como caminhos da mesma encruzilhada, para entender nossa condição de quem luta por liberdade, em quase 400 anos, por aqui. Aqui, Exú vem para dizer o que tem de ser dito: Racialize o debate!

Convoco quem, em riso e serenidade, se faz  possibilidade de diálogo, e pede atenção, corpo  presente e mente que se movimente e permaneça, como cantou o rapper Zudizilla: “onde eu possa alcançar o céu sem precisar deixar o chão”. Verso que me lembra um importante provérbio da tradição do candomblé: “Ìbá ìkórítá métà ìpádé ónà àiyé àti òrún!Saúdo a encruzilhada de três pontas, onde há o encontro entre a terra e céu (tradução do antropólogo e babalorixá Gill Sampaio Ominirò)

Já  ouviu a palavra de Exú devolvendo humanidade àquelas vidas marginalizadas, hoje?

Ele anda na linha da contradição, por amplitude, pois a dicotomia ocidental é desonesta ao condicionar tudo em sim/não, isso/aquilo… Talvez, você já ouvir dizer que “Exú faz o erro virar acerto, e o acerto virar um erro”, quando quiser…

É saber em grandeza que não cabe lógica hierárquica, ereta e nada flexível de um ocidental, já em declínio. Um dos motivos de tanta aversão, desse lugar a aquele que se senta ao lado do criador de todas as coisas, na cultura ioruba. É sua amplitude e plasticidade, escancara as incoerências e ameaça o status-quo falido,  que ainda justifica um fajuto padrão de civilidade padronizada.  É a síntese da força anti-colonial, necessária na luta por uma sociedade mais justa.

Uma introdução sobre branquitude e maafa

Diferente do movimento vivo de co-existência que as tradições africanas preservaram em seus povos e ascendentes,  a história do ocidente aponta para um projeto de sociedade que categoriza e condiciona vidas não-branca-cis-hétero-normativa ao lugar de subalternidades, em detrimento da super valorização das expressões de branquitude universalizadas. A incompreensão de si como racializados – que pode ser explicada pelo conceito de “pacto narcísico da branquitude”, analisado pela Profa. Dra. Cida Bento, –  me provoca a pensar que esse projeto de sociedade se pauta na destruição de tudo aquilo que difere de tal imagem.  Aqui, a dominação, demonização e colonização são ferramentas de extermínio. São expressões de uma cultura construída no racismo, que após quase 400 anos de escravização, segue impactando diretamente a vida de pessoas negras, em todo território brasileiro, alicerçando as desigualdades, e promovendo políticas racialmente determinadas para o extermínio físico, simbólico e cultural negro.

Basta olhar para as políticas de encarceramento, desemprego, genocídio, feminicídio, violência domésticas, criminalização. Todas experiências de males sociais, em que o que sempre se vê é a o maior número dessas violências recaindo sobre a população negra.

Dessa forma, penso que nas dinâmicas raciais brasileiras, a branquitude cumpre seu papel de manter e reelaborar aquilo que Marimba Ani chamou de Maafa, usando a palavra de origem swahili para conceituar e “expressar a existência de um gigantesco e sistêmico estado de desordem social, física e espiritual, ao qual os africanos e seus descendentes foram submetidos ao longo da história desde a escravização moderna no ocidente”, como Thiago A.S. Soares e Douglas Araújo apresentaram no artigo “Homem negro, corporeidades e saúde: perspectivas históricas e sociológicas”, publicado no livro “Diálogos Contemporâneos sobre Homens Negros e Masculinidades”, Organizado por Henrique Restier e Rolf Malungo pela Ciclo Contínuo (2019).  No mesmo texto, Soares e Araújo trazem um pensamento de Nobles sobre o conceito: “Para mim, a característica básica do maafa é a negação da humanidade dos africanos, acompanhado do desprezo e do desrespeito, coletivos e contínuos, ao seu direito de existir. O maafa autoriza a perpetuação de um processo sistemático de destruição física e espiritual dos africanos, individual e coletivamente”.

Exú, em expansão é também valor civilizatório e sua filosofia colabora para reconstrução da identidade desse povo. É força que contrapõe a atmosfera de caos, humanizando os desumanizados, para a emancipação. Garantindo o direito ao verbo, como bem  É um caminho para que possamos, honestamente, discutir os conflitos raciais, resultantes da política escravizadora que se manteve na cultura de democracia racial, para camuflar as práticas racistas que definiu todas violências diretas, estruturais e institucionais, em todos os setores das sociedades. Criando, inclusive, o sentimento de confusão, como alertou Abdias do Nascimento: “O objetivo não expresso dessa ideologia é negar ao negro a possibilidade de autodefinição, subtraindo-lhe os meios de identidade racial. Embora na realidade social o negro seja discriminado exatamente por causa da sua condição racial e de cor, negam a ele, com fundamentos na lei, o direito de autodefesa” (NASCIMENTO, 2017).

Nem preciso dizer que por se tratar, também de um sistema de leis estabelecidos para criminalizar humanidades negras, em detrimento do bem da branquitude, ou preciso?

Preciso sim, mas farei em outro momento, na segunda parte dessa conversa.. Porque Exú também é isso, a possibilidade de estabelecer discussões com cautela, tempo e repetindo o movimento, para transformar.

Pode ser?

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