Antígona, tragédia grega de Sófocles do século V a.C, permanece atual. Imaginávamos que o retrocesso chegaria até a ditadura militar de 1964 ou períodos anteriores, mas as últimas ofensas de Bolsonaro ao presidente da OAB alcançaram a Grécia antiga.

Bolsonaro mente! Ele acusa a OAB de impedir a interceptação telefônica do advogado de Adélio, que desferiu uma facada no então candidato. Mas ele poderia ter contratado um advogado como assistente para fortalecer a acusação contra o autor da facada. Estranhamente, Bolsonaro não contratou um assistente de acusação, deixando de apresentar provas, fazer perguntas e recorrer da absolvição de Adélio, como estabelece o artigo 271 do Código de Processo Penal. Ficou com medo que o caso chegasse ao Tribunal do Júri e fosse debatido pela nação em suas minúcias.

Para desviar atenção de sua covardia, atacou o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, dizendo que sabia a razão e circunstâncias do assassinato e desaparecimento de seu pai. Fernando Santa Cruz, pai de Felipe, estudou direito na Universidade Federal Fluminense, onde foi vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes, que hoje leva seu nome. No carnaval de 1974, Fernando veio ao Rio de Janeiro a fim de encontrar um membro de sua organização política, quando foi assassinado e desaparecido pela ditadura militar. No filme de Beth Formaginni e em seu depoimento à Comissão Nacional de Verdade, o pastor Cláudio afirma que incinerou o corpo de Fernando Santa Cruz numa usina de cana-de-açucar em Campos dos Goytacazes.

Com suas afirmações cruéis, Bolsonaro ataca todas as pessoas que não tiveram o direito de enterrar seus mortos na ditadura militar, e especificamente Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, que não conviveu com o pai, assassinado e desaparecido pelos órgãos de repressão.

Na tragédia grega, o rei Creonte proibiu Antígona de enterrar seu irmão Polinice, que liderou um golpe político fracassado. Mesmo assim, Antígona contrariou o rei e enterrou seu irmão, pois considerava a lei dos Deuses maior que a dos homens e ninguém poderia impedir o direito natural de parentes enterrar seus entes queridos. Assim, acabou condenada à morte numa prisão solitária.

Bolsonaro fez muito pior, pois, além de não tecer esforços para descobrir como aconteceu o desaparecimento forçado do pai do presidente da OAB, confessou que sabia como tudo aconteceu. Agora, ele tem o dever de contar o que disse saber, pois, caso contrário, será réu confesso de crime de falso testemunho por omissão.

Pior, o presidente da República estará cometendo crime de responsabilidade – artigo 85 da Carta Política do Brasil – por atacar o Estado Democrático de Direito e violar a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República, previsto no primeiro artigo da Constituição Federal.

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André Barros é advogado da Marcha da Maconha, mestre em ciências penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sócio Popular da OAB/RJ e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.