Articulação política popular e a presença nas ruas serão fundamentais para barrar projetos pelos quais o movimento negro será exigido pela História, caso do pacote criminoso de Sérgio Moro

Foto: Juliana Nascimento | Coletivo Nuvem Negra

Nunca na História brasileira o debate sobre raça e racismo esteve tão em evidência. Nunca tivemos tantas pessoas reconhecidas por importantes canais de comunicação, com a possibilidade de construção de diálogo com a sociedade e com o nosso povo. Temos uma possibilidade real, pela internet, de conversar com pretas e pretos com quem nunca antes conversamos.

Ao mesmo tempo, vivemos uma grande dificuldade de construção em grupo, de articulação de movimentos sociais com possibilidade de mobilizar o povo e as ruas. Quantas são as entidades e movimentos sociais negros de massa que temos hoje?

No momento em que colocamos em pauta a necessidade das esquerdas voltarem para as bases, nós, que somos a base, precisamos organizar e articular nosso povo. Diante da conjuntura atual é essencial que tenhamos organizações e grupos fortes para o enfrentamento político.

Ficou evidente, durante esses momentos turbulentos vividos pelo país, que o ritmo da política institucional é ditado pelas ruas e pela intensidade da pressão popular. Isso vale para o campo progressista e conservador. Grandes manifestações em apoio a Jair Bolsonaro (PSL) são utilizadas para acelerar a aprovação de medidas, normalmente violentas contras nós, povo negro.

Por outro lado, centrais sindicais e grandes frentes progressistas tiveram e têm um papel importante para a defesa dos poucos direitos trabalhistas ainda restantes. É provável que, se aprovada, a reforma da previdência terá de ceder em importantes aspectos por conta da pressão popular.

Como raça estrutura a realidade brasileira – o que faz do racismo o pano de fundo de todos os problemas sociais do país – pode-se afirmar sem medo de errar que mulheres e homens negros serão os mais prejudicados com a aprovação da reforma da previdência e do pacote criminoso de Sérgio Moro.

No primeiro caso, porém, há e haverá uma articulação consistente por parte das centrais sindicais, movimento histórico e muito mais estruturado do que aquelas e aqueles que são e serão a linha de frente na resistência ao projeto de segurança pública: o campo dos direitos humanos e em especial o movimento negro.

Qual será a nossa força de articulação popular e de pôr nas ruas milhares de pessoas com o peso político que devemos dar diante de um projeto como esse? Mesmo que importantes, posts, tweets e campanhas virtuais não têm o poder de sozinhas pressionar qualquer governo. É necessário que haja povo na rua e trabalho de base permanente.

Se reunirmos toda a potência que acumulamos ao longo da história e principalmente a força da juventude negra que acessou espaços universitários seja via Prouni, Fies ou cotas raciais, podemos construir uma frente ao pacote de Sérgio Moro.

No plano recente, organizações do movimento negro têm se articulado em bloco para defender as cotas raciais e se posicionarem de maneira contrária ao pacote de Moro e à reforma da Previdência. Nesse fluxo se construiu agenda com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e em breve com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre.

São esses grupos do movimento negro que costumam participar de maneira ativa durante a construção de manifestações em São Paulo, sejam atos em repúdio ao assassinato de negros – como foi o caso de Evaldo dos Santos – em denúncia de violações de direitos, em proteção das cotas raciais e em datas importantes para o povo negro, como o 20 de Novembro.

Essas ações de incidência política e mesmo as manifestações têm, em partes, o sucesso balizado a partir da quantidade de gente que se coloca nas ruas.

Acredito que seja fundamental refutarmos uma perspectiva liberal de luta, na qual basta se posicionar pelas redes sociais e assim se conformar como militante. Para superar o individualismo, marca do sistema econômico e político capitalista, precisamos do coletivo.

Hoje, o máximo que conseguimos construir são grupos em números pequenos de pessoas. Ou temos indivíduos ativistas ou temos coletivos com no máximo 10 pessoas. Participar de grupo, coletivo ou construir rede exige enfrentar o diferente, discordar, construir, dialogar. É a construção na prática de uma sociedade democrática.

Na história do povo negro, nossas organizações políticas foram fundamentais para a nossa continuidade. Sempre nos aquilombamos e assim precisamos continuar a fazer. Palmares, a Frente Negra Brasileira e o Movimento Negro Unificado (MNU) foram e são marcos para a nossa existência.

Não faltam organizações e grupos aptos a receberem toda a nossa potência e construir uma defesa integral do nosso povo também nas ruas. A nível nacional, são inúmeras, caso do próprio MNU, Uneafro, Educafro, Reaja ou Será Morto, Círculo Palmarino, CONAQ, Renafro, entre muitas outras.

Sinto-me muito alegre em participar de redes nacionais do movimento negro, de grupos como Faremos Palmares de Novo, da Rede de Jornalistas das Periferias de São Paulo, além do próprio Alma Preta, portal de mídia negra.

Diante desse cenário violento e das muitas possibilidades de se articular em grupo em defesa do povo negro, o meu convite é: negrada, vamos compor, fortalecer nossas entidades ou construir novas?

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