Gente, assassinaram a Marielle. ASSASSINARAM A MARI. De início as pessoas não acreditaram, mas eu falei, é verdade, gente. Foi quando a ficha caiu.

Foto: Arquivo Pessoal

Faz exatamente um ano que eu estava em Salvador — Bahia, participando do encontro do Fórum Social Mundial, junto de pessoas de todo o Brasil e também de outros países. O encontro, que começou no dia 13, já se mostrava incrível, a partir das conexões que estavam sendo feitas, da energia coletiva, da busca por avanços na sociedade a partir da junção de tantas potências.

Naquele dia 14, já de noite e depois das atividades, paramos para comer num local muito movimentado na praça do Rio Vermelho, o famoso acarajé da Dinha. Eu lembro que estava tendo ou iria começar um jogo do Flamengo e que por isso, havia um telão projetando os preparativos da partida. Era um local muito barulhento.

Nesse cenário, um amigo jornalista me deu um toque no whatsapp e desligou. Eu abri o chat com ele no zap e ele me disse:

“Aconteceu uma coisa, assassinaram uma vereadora do PSOL no RJ”.

Eu congelei quando li aquilo, fiquei num silêncio profundo, diante daquela barulheira do lugar. Eu não ouvia nada. E então perguntei: QUEM? E ele me retornou dizendo: “Vou confirmar e te aviso.”

Pouco tempo depois ele retornou e disse: “Olha, foi a MARIELLE.”

Eu congelei de novo. Por quase um minuto eu fiquei ali parado olhando o celular e então digitei em caixa alta: TEM CERTEZA DO QUE ESTÁ FALANDO? E ele me respondeu: “Sim, eu vi a foto do RG. Mandaram aqui para redação”.

Imediatamente eu fui para um grupo no whatsapp, onde estão alguns amigos, inclusive a Marielle e perguntei: GENTE, PELO AMOR DE DEUS, ALGUÉM AI? TUDO BEM NO RIO?

Alguém me perguntou: “Em que sentido?”

Foi aí que eu me dei conta de que talvez eu fosse uma das poucas pessoas a saber o que havia acontecido. Então o que fiz foi mandar pontos de interrogação seguidos, para que mais pessoas recebessem a notificação e ficassem online, que pudessem comentar algo.

Então eu disse que havia recebido uma informação grave e que precisava confirmar. E então eu perguntei se alguém sabia alguma coisa da Marielle.

Foi quando minha amiga Antonia Pellegrino, também integrante do grupo, mandou uma mensagem lá dizendo: “Ela foi assassinada.”

Então me veio a realidade de que, ali naquele grupo gigante de pessoas do Brasil e do mundo, reunidas em Salvador, talvez eu fosse a única pessoa a saber do fato. Eu teria que dar essa notícia e não tinha como ficar atrasando o processo, então juntei meus amigos mais próximos e contei. Gente, assassinaram a Marielle. ASSASSINARAM A MARI. De início as pessoas não acreditaram, mas eu falei, é verdade, gente. Foi quando a ficha caiu. Eu não consegui ficar mais ali, sentado naquela mesa, naquele local barulhento, ninguém conseguia. Então pagamos a conta e fomos mais pra beira da rua.
Mais pessoas foram chegando, à informação já começava a circular e a galera estava de cara no celular, buscando informações, tentando entender o que estava acontecendo, muitos e muitas de nós já estávamos chorando muito, até que aparece, poucos minutos depois, o primeiro link de jornal, trazendo a chamada VEREADORA DO PSOL É ASSASSINADA NO RJ.

Aquilo foi devastador. Mais uma vez, nosso povo, nosso corpo, nosso endereço, alguém de nós, estava na capa de um jornal, que noticiava o seu assassinato, de forma brutal e covarde.

Eu estava com a Daiene Mendes, hospedados no mesmo lugar. Ali mesmo, nas proximidades do acarajé da Dinha, nos olhamos e falamos, vamos dar um jeito de voltar para o RJ hoje. Outras pessoas também pensaram igual. Daiene e eu fomos em meio à lágrimas, revoltas e incertezas para o hotel, juntar nossas coisas e partir para o aeroporto. No caminho, conversávamos com várias que pessoas para que nos ajudassem a trocar nossas passagens ou comprassem outra, na verdade eu nem lembro como conseguimos as novas passagens de fato, acho que foi o pessoal da Witness que ajudou, mas voltamos na manhã do dia seguinte.

Na minha cabeça eu só ficava pensando. CARALHO, como assim mataram a Mari. Impossível, não tem como. É a Mari, mano. Correria, já ajudou a gente em tanta coisa. Não é possível que isso esteja acontecendo. Querem calar a Mari, só pode. Inacreditável.

Mas foi.

Infelizmente tinha acontecido.

Marielle era uma pessoa muito presente, sabe?. Esteve conosco no Complexo do Alemão muitas vezes, para denunciar a abusos e extrema violência cometida pelo estado, através da polícia. Marielle era da favela. Marielle é aquela pessoa que você olhava e se via ali.

Ela estava ocupando outros espaços determinantes na nossa sociedade, que é o poder público. Tentaram silenciar uma voz. Jamais imaginariam o quanto ecoaria, ecoa e ecoará o seu significado, suas lutas, sua história, que também são nossas.

Infelizmente no dia de hoje se completa um ano daquele dia brutal, onde mais um corpo com todas as nossas referências e lutas históricas, é tombado de forma violenta, mostrando a verdadeira face de um Brasil racista, desigual e privilegiado, onde não suportam nos ver no comando, segurando a direção e abrindo caminhos de mudanças positivas, garantias de direitos e vidas para quem tem a nossa pele, a nossa escolha e o nosso endereço.

Há um ano eu grito QUEM MATOU MARIELLE? E também QUEM MANDOU MATAR MARIELLE?

Porque a Marielle sou eu. A Marielle somos o nós, aqueles e aquelas que sobrevivem e resistem nas estruturas de um país que insiste em nos perseguir, aprisionar ou executar.

Mal sabiam que éramos SEMENTE.

Aqui, neste dia, completando um ano do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, seguimos em luta, no luto, por justiça para nossas vidas arrancadas e por garantia de direitos e vida, para quem ainda resiste, existe e insiste em ficar vivo!

Foto: Arquivo Pessoal

Conheça outros colunistas e suas opiniões!

FODA

Qual a relação entre a expressão de gênero e a violência no Carnaval?

Márcio Santilli

Guerras e polarização política bloqueiam avanços na conferência do clima

Colunista NINJA

Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

Márcio Santilli

Ponto de não retorno

Márcio Santilli

‘Caminho do meio’ para a demarcação de Terras Indígenas

NINJA

24 de Março na Argentina: Tristeza não tem fim

Renata Souza

Um março de lutas pelo clima e pela vida do povo negro

Marielle Ramires

Ecoturismo de Novo Airão ensina soluções possíveis para a economia da floresta em pé

Articulação Nacional de Agroecologia

Organizações de mulheres estimulam diversificação de cultivos

Dríade Aguiar

Não existe 'Duna B'

Movimento Sem Terra

O Caso Marielle e a contaminação das instituições do RJ

Andréia de Jesus

Feministas e Antirracistas: a voz da mulher negra periférica

André Menezes

Pega a visão: Um papo com Edi Rock, dos Racionais MC’s

FODA

A potência da Cannabis Medicinal no Sertão do Vale do São Francisco

Movimento Sem Terra

É problema de governo, camarada