Carlinha do Rodo

RIO DE JANEIRO, 1987 – Na capa do JB, uma foto histórica revelava para o Brasil a falência da segurança pública na cidade maravilhosa. Era uma menina de 14 anos, chamada Carlinha do Rodo, soldado na guerra do tráfico entre Zaca e Cabeludo.

Desde os anos de 1970, o Comando Vermelho vinha somando forças nos presídios, enquanto a venda de cocaína tomava os morros cariocas. E isso bem debaixo do bigode dos generais ditadores. Quando virou a década, já sem controle ou qualquer remediação, o lucrativo negócio do pó disparava batalhas sangrentas e quase diárias pelo controle dos pontos onde se vendia a droga. Muitas vezes, precisei ficar até mais tarde no colégio, porque os tiroteios na Favela Santa Marta, em Botafogo, impediam a volta dos alunos para casa.

Foi como tudo começou.

Naquela época, vivíamos em um país sendo redemocratizado, Brizola tinha sido eleito governador já havia algum tempo e, a despeito de sua administração polêmica quanto aos frutos da violência urbana, deu carta branca para Darcy Ribeiro implantar os CIEPs, escolas públicas em período integral, especialmente desenhadas para deixar os jovens longe dos conflitos entre quadrilhas e com alguma esperança de futuro melhor.

Manipulada por uma rede de televisões, rádios e jornais que nem preciso dizer aqui o nome, desde o início a classe média da zona sul grasnou contra o projeto, acusando-o de ser um flagelo comunista e muito dispendioso. Em sua defesa, Darcy lacrou o mimimi cunhando uma sentença famosa e hoje mais-que-profética: “Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios.”

Deu no que deu.

Quase 40 anos depois, vemos tão somente presídios superlotados, um tratamento desumano reservado a quem mora em favela e a mesma brutalidade dominando as ruas, agora não só do Rio, e sim de todo o Brasil. Lamentavelmente, a intervenção federal decretada pelo vampirão do Jaburu não vai dar em nada, é mera cortina de fumaça na avenida, pois assim que os militares retirarem os blindados de cena, tudo volta ao “normal” como sempre e apenas restará o sangue pisoteado da ralé para contar história. Com muito estardalhaço e pouca eficiência, as UPPs já nos ensinaram a lição.

Tudo se repete como farsa da farsa da farsa.
Mas como dói.

 

Reprodução Facebook Alexandre Handfest. Leia original aqui