Foto: Reprodução

Por Pedro Gorki, presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas

Imagine a cena. Uma criança brasileira chega para estudar em uma das escolas afetadas pelo escândalo dos desvios do dinheiro da merenda escolar. Ela tem fome porque, assim como muitas outras, precisa daquela refeição todos os dias. Na escola dela as mesas e carteiras estão quebradas, a quadra esburacada, falta material escolar porque o governo do seu país não quer investir nisso. O professor dela recebe um salário humilhante, a escola sofre com a violência e o descaso. Quando o ministro da Educação manda um recado para essa criança, não é um recado de preocupação com nenhum desses problemas. Ele só quer vê-la sendo filmada todos os dias de pé, debaixo do sol, uniforme rasgado e cantando o hino nacional.

Seria apenas uma piada de mal gosto se não fosse a realidade do Brasil de 2019. A falta de noção, sensibilidade e preparo do novo ministro Ricardo Vélez Rodriguez já eram conhecidos. Mas agora, com a carta enviada oficialmente em seu nome a todas as escolas do país, ele ainda flerta com pelo menos duas ilegalidades: incitar a violação da privacidade de menores de idade com a sua filmagem não autorizada, infringindo o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e aparelhar a estrutura do ministério para finalidades partidárias e particulares. A carta termina com o slogan da campanha política do PSL e de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, o que fere o artigo 37 da Constituição Federal.

Os estudantes brasileiros não podem ser acusados de ter pouco amor ao seu país. São eles que enfrentam os maiores desafios possíveis todos os dias, nas escolas públicas das periferias, para seguir nos estudos e construir o Brasil que virá. Não é a suposta prática do hino nacional que resolverá os problemas da educação brasileira. Se estivesse realmente preocupado com o ensino no Brasil, o colombiano Vélez Rodriguez não teria, por exemplo, endossado um projeto político que entrega as riquezas do petróleo e do pré-sal para grupos econômicos estrangeiros quando o recurso estava destinado ao financiamento das escolas, da creche ao ensino superior, à aplicação de 10% do PIB no setor. Se gostasse do Brasil e da juventude brasileira, o ministro não sairia por aí dizendo aos mais pobres que, sob a sua gestão, a universidade “não é para todos”. Assim como seu chefe, que bate continência para a bandeira dos Estados Unidos, talvez Vélez Rodriguez esteja mais preocupado com outras nações do que com a nossa.

A ameaça de filmar e intimidar alunos ou professores dentro do ambiente escolar, como dita o ministro na sua carta, faz parte de um grave retrocesso de mordaça, censura e perseguição na educação brasileira, sintonizada com movimentos como o do chamado Escola Sem Partido. Ao invés de promover esse tipo de caça às bruxas, típico de ditaduras, por que o ministro não pede vídeos, por exemplo, dos verdadeiros problemas encontrados pelos jovens nas suas instituições de ensino? Nós, da UBES, estamos convidando os estudantes de todo o país a gravarem vídeos de até um minuto, mostrando a realidade da educação brasileira e a postarem o resultado nas redes sociais com a hastag #minhaescoladeverdade.

Queremos sim construir uma grande nação, mas temos certeza que ela só será possível com uma escola pública do tamanho dos nossos sonhos. Queremos o imediato cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em lei no ano de 2014 e que está sendo vergonhosamente desmontado por esta gestão do MEC. Queremos a renovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), queremos a valorização do piso salarial dos professores, a garantia de um ensino crítico, que não censure o livre pensamento e a diversidade na sala de aula, a formação de uma escola democrática, com a participação de estudantes, funcionários, comunidade, o acesso à cultura, ao esporte, à inclusão e promoção da cidadania dos milhões de jovens de todas as regiões, do campo e da cidade.

Por isso, convidamos toda a juventude para a grande Jornada de Lutas do movimento estudantil brasileiro, em defesa da educação, no próximo mês de março. Vamos às ruas pelo que país que merecemos. A imagem do Brasil não é e não poderá nunca ser a de uma criança com o hino memorizado, mas com o futuro esquecido.