Time brasileiro Tamanduá-Bandeira durante treino para o amistoso. Foto: Leandro Lopes

Por Leandro (Tûk) Sousa Lopes

No último sábado, 22 de junho, o time Tamanduás Bandeira Rugby Club (Brasil) recebeu o Ciervos Pampas Rugby (Argentina) para o primeiro amistoso internacional entre times LGBT+ realizado no Brasil. O que inicialmente pode ter soado como uma simples partida de rugby entre LGBT’s realizada no final de semana da “Parada”, teve um significado simbólico importante para a comunidade praticante desse esporte.

O time argentino Ciervos Pampas foi o primeiro a surgir na América do Sul com a proposta de criar um espaço para LGBT’s praticarem o rugby, esporte bastante popular naquele país. No amistoso desse final de semana, o time dos Ciervos entraram em campo com homens gays, bi e heterossexuais e duas mulheres.

Por sua vez, o Tamanduás Bandeira Rugby Club – criado por Bruno Kawagoe, Alan Alves e Marcelo Cidral em 2017 – é o primeiro time brasileiro a acolher LGBT’s em um esporte considerado agressivo e aparentemente praticado apenas por indivíduos heterossexuais.

Foto: Leandro Lopes

Infelizmente o esporte é um local onde o machismo e a homofobia são reproduzidos constantemente por ser um ambiente onde diversas características associadas ao homem são valorizadas. Se um indivíduo não possui força o suficiente, frieza, um físico digno de capa de revista, facilmente irá ouvir “ofensas” que o feminilizem ou o aproximem do estereótipo caricato recaído sobre os gays. Ao invés de ser chamado de fraco, possivelmente um indivíduo vem a ser chamado de “mulherzinha”, “bixinha” ou “viado”. Caso faça muitas reclamações, ele tem muitas “frescuras” no ambiente esportivo.

Este “segundo armário” dos esportistas se torna facilmente compreendido ao considerarmos que em uma sociedade profundamente marcada pela cultura do preconceito como a brasileira, as aulas de educação física dentro da escola podem ser bastante hostis pois as ofensas podem vir dos colegas de classe. Não gostar de futebol (ou gostar muito) , se negar a jogar com os estudantes do mesmo gênero ou simplesmente pedir para participar das atividades com os do gênero oposto podem vir a ser motivo para gerar agressões àqueles que não possuem um comportamento esperado, independentemente da sexualidade. Os debates que poderiam evitar tais agressões dificilmente ocorrem nas escolas brasileiras. Estas situações acabam afastando a comunidade LGBT da prática esportiva.

Foto: Leandro Lopes

Outro aspecto que pode gerar um certo estranhamento caso observemos apenas superficialmente a situação, é o fato de tantos LGBT’s se interessarem pelo rugby, um esporte considerado agressivo e que aparentemente valoriza a força e outras características masculinas de seus jogadores. Contudo, a comunidade dos esportistas que praticam e dos fãs de rugby é uma das que mais combate preconceitos e a lgbtfobia. Basta lembrarmos de um episódio recente onde o jogador australiano Israel Folau teve seu contrato rompido com o time New South Wales Waratahs por ter publicado em redes sociais frases homofóbicas ao lado de uma imagem religiosa. Em nota, o time New South Wales afirmou que a decisão foi tomada ao considerar que o rugby trabalha para unir pessoas e não corrobora com qualquer tipo de ofensa ou tentativa de diminuir indivíduos em função de sua etnia, gênero sexualidade ou religião.

No extremo oposto, temos como exemplo o episódio em que a comunidade rugby aplaudiu a brasileira Isadora Cerullo que foi pedida em casamento por sua esposa no último jogo das Olimpíadas de 2016. A “Izzy”, como é chamada pelos fãs do esporte, além de ser uma excelente jogadora de rugby, é uma referência como árbitra e treinadora.

Muito provavelmente não foi apenas por essa cultura de respeito que os fundadores do Tamanduás Bandeira e do Ciervos pampas optaram pelo rugby. Nesse esporte, algumas posições dos jogadores acabam por ser melhor desempenhadas por indivíduos que em qualquer outro ambiente seriam considerados como “alguém fora de forma” e “acima do peso”. Inclusive no amistoso de 22 de junho pudemos ver em campo pessoas gordas, saradas, altas, baixas. Não havia um padrão no físico dos jogadores daquela partida.

Talvez por ter ocorrido no campo mantido pelo time SPAC próximo à estação Socorro da CPTM, o amistoso contou um público modesto porém, bastante significativo: familiares e amigos dos Tamanduás Bandeira, jogadores do time FFLCH USP, do São Jorge, Tornados, União Rugby Alphaville e os jogadores da seleção brasileira de rugby Cleber Dias (“Gelado”) e Cleber Dias.

Foto: Leandro Lopes

O amistoso entre o Tamanduás Bandeira e o Ciervos Pampas ocorreu com o apoio da Confederação Brasileira de Rugby Union (CBRU). Contou também com a participação de “Izzy”, a sua esposa Marjorie Enya, assim como Natasha Olsen e Xavier Torres compondo a equipe de arbitragem. Os jogadores do Ciervos Pampas entraram em campo com seu novo uniforme que, ao invés de trazer o nome de cada jogador, continha o nome de esportistas LGBT’s latino-americanos. O nome da Izzy estava estampado na camiseta de nº 2 do Ciervos argentino.

Os Tamanduás levaram para o amistoso 23 jogadores (15 titulares e oito reservas, como mandam as regras da modalidade), dos quais apenas 4 já conheciam o esporte antes de conhecer o Tamanduás, o que demonstra a importância do time como difusora do esporte.

Apesar da vitória dos Tamanduás por 59 a 7 sobre os Ciervos, o verdadeiro vencedor desse amistoso foi o respeito.