por Erika Araújo

“Eu tive que manter a calma para não perder a razão”, esta foi a fala da Morgana Oliveira, no grupo do WhatsApp, enquanto ia a uma delegacia prestar queixa após ter sido perseguida por um segurança em uma das Lojas Americanas, especificamente na que fica localizada no Shopping da Cidade no bairro do Farol, Maceió.

Antes de continuar com meu texto quero logo responder aos que pensarem “por que ela mesma não escreveu esse desabafo?….”, é perfeitamente compreensível essa pergunta. É sobre lugar de fala. Mas o que vou dizer foi com total apoio e consentimento dela. Além disso, há exatamente um ano eu, Erika, passava por uma situação igual, só que no Parque Shopping. Então eu posso falar porque já passei e passo situações parecidas. Este texto, portanto, não é apenas sobre o caso da Morgana, é sobre mim também. É sobre a representação social do meu corpo também.

Bem, vamos lá: ela, mulher preta e fotógrafa, teve que manter a calma hoje à tarde diante de uma situação extremante constrangedora (tô pegando leve). Não é de hoje que Morgana tem que testar sua paciência diante de situações como essas. Em 2016 dividimos apartamento e não foram poucas as vezes que ela chegou em casa relatando que tinha sido seguida por algum segurança. E detalhe: moramos juntas não mais de três meses. É realmente um teste de muita, mas muita paciência, ser negro no Brasil. Temos que virar monges para não perder a razão. Porque a população negra não tem o direito de ficar indignada com situações como essas. Nós não temos o direito de gritar ou de ficar extremamente alteradas. Temos de achar que é besteira e parar de falar sobre racismo, afinal “é só parar de falar que o racismo deixa de existir”.

A fala da Morgana é a de quem já está calejada, é de quem sabe que, no Brasil, não adianta dizer que foi racismo porque sempre vai existir alguém sem noção pra dizer “mas ela tinha que ir com uma mochila e uma caixa pra loja?” São as mesmas pessoas que pensam e dizem “mas o que fazia aquele cara com um guarda-chuva à noite na favela?”. É triste saber que a maioria das pessoas, na verdade, não têm a mínima noção de como o racismo é estruturante em nossa sociedade. Estruturante a ponto de definir quem é traficante e quem possivelmente vai roubar algo de uma loja.

Muitas pessoas, ao ver este vídeo, podem repetir para si mesmas e ou para outros, “Mas o segurança só está fazendo o trabalho dele…”. O racismo nunca vem desacompanhado, ele sempre caminha com o cinismo de todos aqueles que desacreditam das feridas enormes que ele escancara no íntimo de quem passa por isso. Não enxergar nenhuma discriminação neste ato, ou justificar como a execução de tarefa é a sentença social dada por você a Morgana quando ignora que a dignidade dela está abaixo de qualquer tratamento dispensado a outras pessoas. Entendo que a figura do segurança pode ser muito mais o reflexo do pensamento do patrão do que dele mesmo, mas em nada isso diminui o que essa jovem tem passado.

 

Boletim de ocorrência feito por Morgana após a perseguição. O caso não foi registrado como racismo, mas como danos morais.

 

Mas por que é tão fácil tentar se colocar na figura do Segurança e tão incômodo se enxergar na pele negra e perguntar: Morgana não quer mais a repetição dessa prática?

Morgana foi perseguida do momento em que colocou os pés dentro da loja até o momento em que pagou o objeto. Como vocês podem ver no vídeo, o segurança a segue “na cara dura”, sem nenhum disfarce. Foi do mesmo jeito comigo, em novembro de 2017 em uma das lojas da C&A no Parque Shopping. Será que foi por que eu também estava com uma mochila? Pessoas brancas mochileiras são perseguidas nas lojas? Eu não tive reação. Não soube o que fazer. Hoje, Morgana resolveu não se calar, não deixar pra lá: ela procurou o gerente da loja e relatou o corrido, contudo, a resposta foi o total descaso e desdenho. “Ele cagou pra o que eu disse”. Ela resolveu fazer um Boletim de Ocorrência, mas o caso não foi registrado como racismo e sim danos morais. Não minimize o racismo!