Foto: Arquivo Pessoal

Eu tenho HIV e estou grávida. Nós mulheres soropositivas temos opções de parto? Depende do país que vivemos na América Latina e Caribe. Alguns países aderem a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que as mulheres com HIV, dependendo do seu estado de saúde, podem optar por um parto natural ou cesárea. Nos países que não aderiram à recomendação da OMS existe apenas a possibilidade de um parto cesárea.

Por Mariana Iacono*

Eu hesitei muito em participar do # 10YearsChallenge, mas me animei: 2009 meu corpo fitness de 5 horas de treinamento diário, 2019 uma barriga que parece um balão de aniversário com 7 meses de gravidez; um aniversário de deusa. Os comentários e likes começaram… Em um, uma mulher escreveu:

“Olha na minha opinião você deve tomar cuidado para não engravidar por muitos motivos. Você tem HIV e mesmo que seja muito difícil de entender é um vírus contagioso, então suponho que o seu parceiro também tenha. Que Deus não queira, mas imagino que o bebê que está por chegar tenha que nascer por cesárea. Cedo ou tarde sua saúde e do seu namorado irão deteriorar e quem cuidará dessa criança? Deveria ser mais responsável e menos egoísta pensando apenas no que você quer.”

Eu respondo e digo que o hiv não é contagioso, é transmitido de maneiras específicas. “Contágio” é um termo discriminatório. Você me diz que eu não deveria engravidar. Quem decide sobre o meu corpo? Uma pessoa do Facebook sem informações atualizadas? Há mais de 15 anos foi comprovado que é possível não transmitir HIV da mãe para o feto.

Então, essa mesma pessoa continua me mandando mensagem por privado. Ela me diz que acredita que o bebê vai se “contaminar”. Me escreve assim sem nenhuma sensibilidade para o dialogar com uma mulher com HIV grávida. E logo em seguida me escreve e diz que eu vou ficar detonada. Ou seja, o que mais pode vir dessa mulher! Além disso, ela diz que meu companheiro, que não tem HIV, também irá se deteriorar, porque ela supõe que se fizermos sexo sem camisinha, ele certamente tem HIV. E segue escrevendo com suas informações desatualizadas.

Eu tenho HIV e estou grávida. Nós mulheres soropositivas temos opções de parto? Depende do país que vivemos na América Latina e Caribe. Alguns países aderem a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que as mulheres com HIV, dependendo do seu estado de saúde, podem optar por um parto natural ou cesárea. Nos países que não aderiram à recomendação da OMS existe apenas a possibilidade de um parto cesárea. Por exemplo, República Dominicana, Equador e Chile. Isso não quer dizer que não existam obstetra que acompanhem mulheres com HIV e que, sim, façam parto normal, nesses países onde existe apenas a opção de cesárea. Também acontece de que nos países que temos as duas opções (natural e cesárea) muitos médicos seguem decidindo pelos nossos corpos e induzem a decidir pela cesárea ou nos indicam diretamente. A forma de parto é uma decisão que devemos conversar com nossos infectologistas e obstetras durante a gravidez.

Como decido a melhor opção de parto para @ bebê e para mim?

Foto: Arquivo Pessoal

É importante conversar com seu médico sobre as opções de parto o mais rápido possível durante a gravidez, para que ele ou ela possam ajudar a decidir qual método é melhor para você. É importante reforçar que o ou a médica não tem o poder de decisão absoluto. Se eu tenho HIV e estou prestes a dar à luz em um país que tem ambas as opções de parto, mas o ou a médica me dá apenas uma opção, sempre temos a possibilidade de mudar de obstetra.

 

 

 

 

É importante que as mulheres com HIV grávidas tenhamos todas as informações disponíveis para que possamos tomar decisões de forma consciente. E que infectologistas e obstetras nos permitam ter decisão plena.

Quando é recomendável a cesárea para mães com HIV?

Quando a carga viral for desconhecida ou quando na 36ª semana de gestação a carga viral estiver acima de 1,000 cópias/mL

Se durante a gestação não estiver tomando nenhum medicamento contra o HIV ou somente tomou zidovudina (conhecida também como ZDV o AZT).

Quando depois da 36ª semana de gravidez ou depois disso tiver começado a receber cuidados pré natais.

Para ser mais eficiente na prevenção da transmissão, a cesárea deve ser programada para a 38ª semana de gestação ou a cirurgia deve ser feita antes da bolsa romper.

Quando uma mulher com HIV pode ter a opção de fazer parto vaginal?

Quanto a mulher tiver recebido cuidados médicos durante toda a gestação e quando na 36ª semana a carga viral estiver abaixo de 1,000 copias/mL

Existe algo mais que devo saber sobre partos, quando sou uma mulher com HIV?

A medicação injetável deve começar 3 horas antes de ser feita cesárea programada e deve continuar até o parto. Para o parto vaginal deve ser administrado o medicamento injetável durante o trabalho de parto.

No meu caso particular foi difícil encontrar um obstetra que sentisse confortável. A primeira proposta era parir em Manaus, Amazonas. Viajamos para avaliar as condições. Para poder ter plano de saúde deveria ter iniciado o processo 10 meses antes da gestação. Então as opções disponíveis eram; hospital público ou privado (completamente privado), ou seja, teria que pagar cada exame e cada acompanhamento que será realizado. A primeira obstetra que vimos não poderia fazer o parto porque a filha estava na mesma data de gestação e estaria fora de Manaus na data prevista de nascimento. A segunda foi um “especialista” em HIV, mas quando entrei em seu escritório vi que ela tinha uma bíblia na mesa, o que parecia desnecessário e desagradável para o meu laicismo. Quando perguntei se seria cesariana ou parto vaginal, ela respondeu com muita segurança cesárea. Perguntei: porque cesárea se tenho carga viral indetectável? e ela respondeu: eu não tenho tempo para acompanhar os partos vaginais, eu sou o chefe desta clínica. Em seguida, ele recomendou um obstetra no hospital de medicina tropical, que é o local de referência em atenção às pessoas com HIV em Manaus, mas me disse que fazem apenas cesárea. Somado a isso, em 1º de janeiro Bolsonaro assumiu seu mandato e meu sentimento era apenas de medo de não saber se um dia o sujeito se levantaria e decide retirar a atenção médica aos estrangeiros.

Decidimos que a melhor opção seria continuar na Argentina. Meu obstetra estava fazendo todos os acompanhamentos e estava satisfeita com ele. Apenas um detalhe: até então ele entendia que o parto seria no Brasil. Então, na volta para Argentina lhe disse que meu parto seria em Buenos Aires e com ele. A partir desta notícia não me sentia mais confortável com seus cuidados: começou a fazer mais pedidos de carga viral e solicitação de notas ao meu infectologista perguntando se poderia fazer parto vaginal. Sendo que ele tinha todos os exames atualizados. Minha percepção era de que ele não se sentia à vontade com a idéia de fazer meu parto. Então fomos procurar outra opção.

Eu nasci no hospital Argerich, a pedido do meu pai, para que eu nascesse perto da Bombonera, o estádio do Boca Juniors. Minha mãe se sentia muito bem acompanhada e cuidada por lá, então ela aceitou naquela época. Eu queria que minha filha nascesse no Brasil e não foi possível. Então que seja o nascimento perto do estádio do Boca Juniors. A mudança para Argerich foi completa, desde a equipe de mulheres obstetras até o especialista em doenças infecciosas que até me acompanhou para ver a obstetra.

Mesmo com 15 anos de ativismo em HIV, com mulheres, não estava percebendo um grande erro. Ter informação e estar emponderada faz que você perceba e entenda situações mais rápido, que duvide e não esteja conformada.

É bom reforçar que nós mulheres com HIV continuamos a ter medo quando se trata de dar à luz e manter nosso acompanhamento obstétrico. Não sabemos se vamos sofrer discriminação no sistema de saúde quando estamos em enfermarias de hospitais com equipes de saúde que não conhecemos. E, finalmente, quem tem o poder final no momento do parto de definir se vamos dar à luz por cesariana ou não é o médico ou médica. Muitas companheiras na América Latina sofreram esterilizações forçadas só porque tinham HIV.

A comunidade Internacional de Mulheres com HIV, ICW Latina, temos atuação em 18 países da América Latina e Caribe para poder ajudar as mulheres com HIV com informação e na luta sobre seus direitos sexuais e reprodutivos.

*Feminista, Trabalhadora social, Trabalhadora da Educação Pública na Argentina, mestranda em comunicação e direitos humanos da Universidade Nacional de La Plata. Há 15 anos tenho HIV. Sou co-fundadora da rede Argentina de jovens e adolescentes positivos e da rede de jovens com HIV da América Latina e Caribe. Sou membra da comunidade latina de mulheres com HIV. O HIV me deu feminismo, sofrimento, empoderamento e prazer. Exigimos a cura já!