Nova Vitória, como foi batizada, é composta por 1800 famílias em terreno pertencente à massa falida da Vasp

Foto: Rafael Vilela / Mídia NINJA

As histórias, apesar de tudo, são todas muito parecidas. Pessoas com trabalhos precários, que viviam nas periferias da grande São Paulo, tinham dificuldade de arcar com o aluguel que parece ser o valor mínimo da região: entre 500 a 600 reais por mês.

Com a chegada da crise econômica, demissões, problemas familiares, violência, novos filhos. O aluguel, que já era caro, se torna impraticável. Com sofrimento deixam suas casas, passando por uma escolha também muito comum a quem se torna sem-teto: melhor comprar comida do que pagar pela moradia. A solução imediata passa pela ida temporária a casa de familiares ou até situação de rua. No caso das 1800 famílias da ocupação Nova Vitoria, a decisão corajosa é por começar tudo de novo, com os pés no barro e o sonho da casa própria na cabeça.

Fila para o almoço coletivo. Foto: Rafael Vilela / Mídia NINJA

Ir para uma ocupação não é tarefa fácil. Para além dos preconceitos óbvios, morar em um barraco construído pelas próprias mãos obriga uma vida dura, sem água encanada, com eletricidade improvisada e finas paredes de lona plástica ou maderite no inverno congelante do sudeste brasileiro. Soma-se a isso a dificuldade em obter suporte do Estado, como acesso a hospitais e escolas. Quem não tem CEP não tem direito a praticamente nada — é o caso de Maria Aparecida Pedroso, de 36 anos. Mãe de sete filhos,  cinco moram no mesmo teto e outros dois, mais velhos, começaram sua empreitada própria com seus barracos na mesma ocupação. Maria tem de usar o comprovante de residência de vizinhos das ruas asfaltadas próximas para poder usufruir dos serviços públicos.

Os problemas são compensados pela solidariedade. Cada agrupamento de casas possui uma cozinha coletiva, onde são feitas refeições diárias a partir de alimentos doados – sem qualquer custo para os moradores, assim como não são cobradas qualquer tipo de taxas pelos barracos. As crianças brincam juntas, no que parece, para elas, uma grande e empolgante aventura.

Vitor Rangel tem 25 anos, é pintor profissionalmente e canta por prazer. “Melhor investir aqui do que do que pagar um aluguel caríssimo”. Foto: Rafael Vilela / Mídia NINJA

Família busca água na parte alta da ocupação. Foto: Rafael Vilela / Mídia NINJA

Maria e sua família de 7 filhos. Foto: Rafael Vilela / Mídia NINJA

O contraste é gritante. Situados a poucos metros da pista do Aeroporto Internacional de Guarulhos, as famílias sobrevivem com muito pouco enquanto são sobrevoadas por aeronaves de milhões de reais. O barulho e a performance dos jatos vira lazer entre os moradores. “Lá vem o cargueiro, é o maior de todos, tem dois andares, vem uma vez por dia” afirma um senhor durante o lanche da tarde no G1, um dos primeiros agrupamentos da ocupação.

As naves, dependendo do vento, passam voando baixo e bem perto dos barracos improvisados. O vocabulário técnico, com nome de aviões e técnicas de operação de aeroporto é familiar a parte dos moradores, já que muitos trabalharam ou ainda trabalham em empresas ligadas ao setor aeroviário, assim como o terreno ocupado, de propriedade da falida e uma vez próspera VASP – Viação Aérea de São Paulo.

Monica Guedes e suas duas filhas, Esther e Marjorie, com menos de dois anos. O marido trabalha com cargas e a ela cabe o cuidado com as crianças durante a maior parte do tempo. Foto: Rafael Vilela / Mídia NINJA

“Tá mais de 30 anos parado, porque agora que tem famílias aqui eles querem tirar a gente? Não temos pra onde ir. ” Afirma Carlinha, uma das moradoras da ocupação que teve sua casa  invadida por policiais militares não identificados na noite anterior a visita da equipe de reportagem da Midia NINJA.  “Revistaram tudo em casa, meu filho tava dormindo. Falaram que iam forjar meu marido e eu. Que iam voltar. Que não sabemos nada de Direito. Querem botar medo na gente pra sairmos daqui. Não vamos sair“

O déficit habitacional da cidade de Guarulhos é de aproximadamente 163 mil casas, sendo mais de 90 mil em situação de risco, de acordo com o movimento. “O prefeito Gustavo Henric Costa e o poder público, em vez de reconhecer essa questão segue gerando mais sofrimento.” afirma Zelídio, uma das lideranças da ocupação.

Enquanto se aprofunda a recessão econômica, cada vez mais pessoas buscam movimentos como o MTST. Mesmo com Bolsonaro afirmando que ocupações não aconteceriam em seu governo, o resultado de seu descaso é o crescimento exponencial de iniciativas como a a Nova Vitória: alternativas reais e coletivas para crise.

Foto: Rafael Vilela / Mídia NINJA