Foto: MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

 

Publicado originalmente no site do CPT Nacional

As três pessoas foram assassinadas de quinta para sexta-feira, dia 22, segundo informações do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Ainda conforme o movimento, Dilma, Claudionor e Milton foram “amarrados, amordaçados e, ao que tudo indica, mortos a golpes de arma branca”. Para ajudar a polícia local nas investigações, força-tarefa da Polícia Civil (PC) de Belém foi enviada para a região de Tucuruí e Baião. Ainda não há informações sobre a motivação do crime.

Dilma Ferreira Silva, 45 anos, seu marido, Claudionor Costa da Silva, 43 anos, e o amigo do casal, Milton Lopes, 38 anos, foram assassinados na residência da militante do MAB, situada no Assentamento Salvador Allende, no município de Baião, a cerca de 50 quilômetros de Tucuruí, na região sudeste do Pará. De acordo com o movimento, o crime teria ocorrido entre a noite de quinta e a madrugada de sexta-feira, 22.

De acordo com o MAB, os três corpos foram encontrados na manhã de sexta-feira quando o ônibus escolar que levaria Dilma à escola da comunidade – onde ela atuava como monitora – parou na casa da liderança e as pessoas que estavam no veículo encontraram o espaço todo revirado. Na residência também funcionava um pequeno mercado.

“Eles foram amarrados, amordaçados e, ao que tudo indica, mortos a golpes de arma branca. Aparentemente, ela foi torturada e depois teve a garganta cortada”, aponta o movimento social.

O corpo de Dilma foi sepultado no dia 23 no município de Monte Castelo, no Maranhão, onde reside sua família. Já Claudionor Costa foi enterrado em Marabá, no Pará, e Milton Lopes foi sepultado no município de Baião, onde morava.

No fim da tarde de sábado, 23, integrantes do MAB, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da equipe da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Tucuruí fizeram uma vigília em frente ao Fórum da cidade (imagem acima) para exigir celeridade nas investigações dos homicídios.

Atingida pela hidrelétrica de Tucuruí e coordenadora do MAB no município, Dilma começou sua militância em 2005, e “contribuiu nas organizações dos grupos de bases do MAB, tanto na área urbana, nas ilhas, e, em especial, nos assentamentos”, destaca o movimento.

Massacres no campo

Ainda não há informações sobre a motivação do crime no Assentamento Salvador Allende, mas se for confirmado que as mortes ocorreram em contexto de conflitos agrários, esse será o primeiro massacre no campo brasileiro em 2019, conforme os dados da CPT.

Em 2017, a CPT registrou cinco massacres no campo com 31 vítimas. O número corresponde a 44% do total de assassinatos em conflitos no campo – naquele ano foram registradas 71 mortes no total. Os massacres ocorreram em Colniza (MT), Canutama (AM), Lençóis (BA), Vilhena (RO) e Pau D’Arco (PA).

Em agosto de 2017, diante dos vários massacres naquele ano, a CPT criou a página especial Massacres no Campo, com dados de 1985 até os dias atuais. Até 2018, foram contabilizados 45 massacres no campo brasileiro com 214 mortes. Diante da análise dessas informações, a CPT percebe que esse tipo de crime sempre ocorreu no campo brasileiro, apesar de apenas alguns casos terem ganhado maior notoriedade no cenário nacional e internacional.

A Pastoral da Terra registra como massacre quando em um conflito, no mesmo dia, são assassinadas três ou mais pessoas.

Manifestações públicas

“O assassinato de Dilma Ferreira Silva é inaceitável. É mais um momento triste na história do MAB, que justamente hoje celebrava o “Dia Internacional da Água”. Como seus militantes dizem, “a água é para a vida, não para a morte!”. Dilma Ferreira Silva e seus familiares são as novas vítimas da violência no campo, autorizada pelo discurso de ódio e pelo descaso do atual governo”.

– Trecho da Nota divulgada pela ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff (PT)

“O ACNUDH expressa condolências aos familiares das vítimas e insta as autoridades brasileiras a conduzir uma investigação completa, independente e imparcial sobre esses assassinatos, que leve a responsabilização dos autores do crime. Ao mesmo tempo, o Escritório relembra que o Estado brasileiro tem a responsabilidade de garantir a proteção integral das pessoas defensoras de direitos humanos no país para que possam cumprir com seu papel fundamental na sociedade, especialmente na defesa dos direitos das populações mais vulneráveis”.

– Trecho da Nota do Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH)

– Deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ)

“Dilma Silva teve uma vida de violações – mulher, negra, nordestina, migrante, ribeirinha – agravada pela violência da construção de uma grande barragem. Tucuruí se tornou um caso emblemático da destruição causada pelo modelo energético na Amazônia”.

– Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

“O crime chama a atenção pela crueldade, vez que as vítimas apresentavam sinais de tortura, tendo sido encontradas amarradas, amordaçadas e esfaqueadas. Fato este que acentua as características de crime de ódio, expondo a grave situação de insegurança que experimentam militantes dos movimentos sociais do campo e suas lideranças.

A violência dos conflitos socioambientais em nosso Estado revela a face mais cruel de um modelo de desenvolvimento marcado por concentração fundiária, monocultivos e atividades eletrointensivas, com alto impacto ambiental e humano negativos. A ausência do Estado ainda confere a vastas regiões e suas populações a condição pré-civilizatória de fronteira”.

– Trecho da Nota divulgada por Alberto Campos – Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seção Pará

– Candidato à presidência da República em 2018, Fernando Haddad (PT-SP)

“Nós do Movimento de Mulheres Camponesas – MMC nos solidarizamos com as lutadoras e lutadores do Movimento dos Atingidos por Barragens! Continuamos na luta e com a memória viva de nossa companheira Dilma Ferreira e seus companheiros assassinados na região de Tucuruí, no Pará, no dia 22 de março. Dilma, PRESENTE!”

– Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

“A Igreja, em seu papel acolhedor na Região Tocantina, repudia veementemente a violência no campo, a qual anseia por uma solução e pacificação, considerando o sofrimento do povo da Amazônia, que faz clamar por uma presença de estado e pela resolutividade dos inúmeros inquéritos de violência sem conclusão e punição dos culpados”.

– Trecho da Nota de Repúdio da Diocese de Cametá / Dom José Altevir da Silva – Pará

– Candidato à presidência da República em 2018 pelo PSOL e coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos

Novas mortes

Neste domingo, três corpos foram encontrados carbonizados em uma fazenda localizada nas imediações da estrada vicinal da Martins, também no município de Baião. As pessoas mortas seriam, segundo a Polícia Civil (PC), um casal de caseiros da fazenda e um tratorista. A propriedade fica situada a cerca 14 quilômetros do Assentamento Salvador Allende.

Em Nota, a PC informou que foi deslocada de Belém para a região de Tucuruí uma força-tarefa formada por policiais civis do Núcleo de Inteligência Policial (NIP), Divisão de Homicídios (DH) e Grupo de Pronto-Emprego (GPE). Essas equipes devem reforçar as investigações sobre os assassinatos ocorridos nos últimos dias na zona rural.

Policiais civis da Superintendência Regional de Tucuruí, Núcleo de Apoio à Investigação de Tucuruí e Delegacia Especializada em Conflitos Agrários estão na região onde ocorreram os conflitos desde a manhã do dia 22.

Histórico da área

A antiga Fazenda Piratininga, hoje Assentamento Salvador Alende, possui um longo histórico de conflitos. O local foi ocupado há 12 anos por mais de 400 famílias sem-terra. Desde então, até se tornar um assentamento, foram vários ataques de pistoleiros e conflitos com madeireiros.

Em 2007, aproximadamente 480 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Piratininga, localizada no quilômetro 50 da BR-422, conhecida como Transcametá, no município de Baião, no Pará. O nome dado ao acampamento foi Salvador Alende. Renato Lima era o pretenso proprietário da área.

Ainda naquele ano, no dia 06 de agosto, um grupo formado por quatro homens fortemente armados foi até o acampamento e disparou vários tiros – ninguém ficou ferido. Os pistoleiros estavam em uma caminhonete e em uma moto.

Dias depois, as famílias foram vítimas de um segundo ataque. Um grupo formado por cerca de 15 homens armados chegou ao acampamento, disparou vários tiros no local, e agrediu fisicamente os homens, mulheres, jovens e crianças. Algumas pessoas, inclusive, tiveram braços e pernas quebrados, outras pessoas fugiram do ataque e se abrigaram em uma mata.

Foto: Divulgação/MAB

Após esse intenso ataque, as famílias foram obrigadas a deixar a fazenda, e acamparam na sede do Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária (INCRA) em Tucuruí. Algum tempo depois, os/as acampados/as retornaram para a fazenda, mesmo circulando boatos na região de que um grupo de pistoleiros se preparava para um novo ataque às famílias.

Já no ano de 2009, no mês de novembro, o MST do Pará, durante a Jornada de Luta pela Reforma Agrária, ocupou o INCRA de Tucuruí para denunciar os conflitos agrários na região e pressionar os órgãos públicos para que fazendas, como a Piratininga, fossem desapropriadas para fins de reforma agrária. Segundo o movimento, as terras da Fazenda Piratininga eram, na verdade, da União e haviam sido griladas. Cerca de 220 trabalhadores e trabalhadoras participaram da ação.

Durante esse ato, o movimento também denunciou a situação conflituosa entre os posseiros e madeireiros, que desmatavam as áreas de reserva, ameaçavam e tentavam expulsar as famílias daquelas localidades.

Em 2010, no mês de maio, cerca de 1.300 famílias de diversas áreas ocuparam a sede do INCRA no município de Marabá, e a pauta de reivindicações não era muito diferente do ano anterior. As famílias do então Acampamento Salvador Allende denunciavam a violência por parte de madeireiros, e que nenhuma autoridade se manifestava para a resolução da problemática.

Em 2011, cerca de 50 famílias da ocupação na Fazenda Piratininga acamparam na Praça do Mogno, em Tucuruí, para reivindicar o assentamento na área. Nesse mesmo ano, as famílias sem-terra, acompanhadas pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF/PA) e pelo MST, sofreram uma reintegração de posse. Todavia, após a saída das famílias, o INCRA começou a medição dos lotes. Algum tempo depois o acampamento se tornou Assentamento Salvador Allende.