Foto: Daniel Marenco

A Mídia NINJA entrevistou o promotor de Justiça responsável pelo crime em Mariana, em novembro de 2015, Guilherme de Sá Meneghin, que foi pioneiro no congelamento de valores de empresas para destinar a vítimas de  desastres, abrindo jurisdição para uma prática que se tornou comum na justiça brasileira nesses casos.

O promotor público falou sobre o novo crime da mineradora Vale, agora em Brumadinho, também no estado de Minas Gerais, e sobre as possíveis consequências para a empresa e como a população pode cobrar do poder público medidas efetivas para que as empresas que atuam no ramo de mineração respeitam as Leis Ambientais.

Leia a entrevista na íntegra

Foto: Arquivo pessoal

Sobre Mariana, o crime que aconteceu há pouco mais de 3 anos, quais foram as consequências legais para a Vale na prática? 

Em casos de desastres, há consequências penais, administrativas, ambientais e civis. Na prática, a maior parte das consequências foram suportadas pela Samarco, mas tanto a Vale quanto a BHP vêm repassando recursos financeiros para a Fundação Renova executar as medidas de reparação socioambiental. Registre-se que Samarco pertence 50% à Vale e 50% à BHP.

Das 68 multas aplicadas administrativamente à Samarco, somente uma está sendo paga.

A reparação do meio ambiente segue em ritmo lento, com poucas ações concretas: o Rio Doce e suas margens continuam muito poluídos. A reparação dos direitos das vítimas sofre frequentes revezes, com as estratégia protelatórias das empresas e decisões judiciais desfavoráveis às vítimas. Não obstante, em Mariana (vale lembrar que o desastre atingiu mais de 40 municípios), várias medidas foram conquistadas nas ações ajuizadas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), como auxílio financeiro, casa alugada, assessoria técnica e acordo para indenização com inversão do ônus da prova em favor das vítimas.

Das punições que foram impostas a Vale, Samarco e BHP Billiton, quais foram cumpridas e quais não? Qual o nível de impunidade da Vale nesse caso?

Em termos de punição penal, não houve nenhuma condenação. O processo criminal proposto pelo Ministério Público Federal (MPF) tramita na Vara Federal de Ponte Nova/MG e está na fase de instrução (oitiva das testemunhas, interrogatório dos réus e outras medidas probatórias). Uso a expressão “desastre tecnológico” na minha manifestação.

Para ser mais claro, do ponto de vista penal, os desastres causados pela Vale/Samarco em Mariana e em Brumadinho, constituem crimes de homicídio, lesões graves e delitos ambientais.

Do ponto de vista técnico, os desastres podem ser naturais (causados pelas forças da natureza, como terremotos) e tecnológicos (provocados pelas ações e omissões humanas, como os colapsos de barragens de rejeitos).

As pessoas atingidas pelo crime em Mariana informam que a Fundação Renova, criada para dar suporte a essas pessoas pelas empresas donas da Barragem do Fundão, age com desonestidade e não vê resultados concretos e positivos desse trabalho. Você acredita que isso poderá acontecer novamente?

A atuação das empresas Samarco, Vale e BHP, e da Fundação Renova foi e continua sendo lamentável em Mariana. Todos os direitos das vítimas de Mariana foram conquistados em Ações Civis Públicas ajuizadas pelo MPMG, pelo menos que se refere às vítimas da Comarca de Mariana. Eles enrolam diversas e somente após a intervenção do MPMG é que foram concretizadas. Infelizmente, as vítimas de Brumadinho podem suportar esse tipo de estratégia protelatória desenvolvida sobretudo pela Vale.

A Vale mais uma vez demonstra seu descaso com a população mineira, e até mesmo com seus próprios funcionários, visto que muitos ainda estão desaparecidos e alguns morreram. Até o momento, se tem notícia de que R$11 bilhões da empresa estão congelados pela Justiça. As punições financeiras resolvem? Quais outras medidas podem ser tomadas?

O bloqueio de bens é uma das medidas mais importantes a serem adotadas.

Em Mariana, o MPMG foi pioneiro nessa medida, pois em 11/11/2015 ajuizou a primeira cautelar de bloqueio de bens da Samarco, conseguindo, na época, o bloqueio de 300 milhões de reais somente para reparação dos direitos das vítimas da Comarca de Mariana. Esse valor foi o melhor instrumento de negociação com as empresas Samarco, Vale e BHP, resultando em diversos direitos garantidos, já relatados acima. No caso de Brumadinho, o MPMG adotou a mesma estratégia, que, embora não seja suficiente, é a mais importante para garantir a reparação das vítimas e do meio ambiente. A estratégia dos “TACs” nesses casos, na minha opinião, não é boa para tais desastres de grandes proporções. A decisão judicial de bloqueio de bens é melhor estratégia jurídica.

Como fortalecer a fiscalização nas barragens de rejeitos no Brasil? Somente com as leis que devem ser aprovadas?

O Brasil, através de nossa deplorável classe política, precisa pensar em 2 medidas essenciais: preventivas e reparatórias. No campo da prevenção, é preciso proibir legalmente as barragens com alteamento à montante (iguais às de Samarco/Mariana e Vale/Brumadinho), determinar o encerramento de operações nessas barragens, aperfeiçoar o licenciamento ambiental e incrementar a fiscalização, com recursos humanos e materiais. Sem essas medidas, teremos novos desastres tecnológicos no Brasil, fato que alertei em diversas ocasiões!

No aspecto da reparação, o Brasil precisa adotar uma legislação especial para vítimas de desastres, garantindo auxílios financeiros imediatos, casa alugada, apoio psicossocial, assessoria técnica e fatores de equidade processual, como a inversão do ônus da prova em favor dos atingidos (tal regra prevê que cabe ao causador do dano provar que as informações declaradas pela vítima são inverídicas – na prática significa que o juiz deverá dar interpretação mais favorável às vítimas).

Conhece casos similares em outros países? O resultado legal se deu de forma parecida com o que aconteceu no Brasil no caso de Mariana?

Tem casos similares no exterior, mas como a legislação é diferente fica difícil avaliar. O caso mais famoso foi o da barragem de rejeitos de Stava, na Itália. Nesse caso, s.m.j., as pessoas foram indenizadas e houve modificações alterando a legislação. O evento ocorreu em 1985 e foi um marco na mudança de protocolos de segurança na Itália.