Por Brunella França | Copa FemiNINJA

Foto: Agência Brasil – EBC

A melhor colocação do Brasil em uma Copa do Mundo Feminina foi o segundo lugar, em 2007, primeira e única final que disputamos. De lá para cá, quando a competição chega a sua oitava edição, na França, considerada a maior Copa Feminina de todos os tempos, são 12 anos.

Mas, dentro de campo, parece que pouca coisa mudou. Os principais nomes da seleção ainda são os mesmos: Marta, Cristiane, Formiga.

Para falar sobre o cenário do futebol brasileiro feminino e da seleção brasileira hoje, conversamos com a ex-atleta profissional Carla Índia Oliveira, hoje preparadora física, personal trainer, embaixadora do Guerreiras Project, entre outros.

Ela, que é da mesma geração de Marta e Cristiane, fala sobre a evolução no cenário e aponta quais são os desafios da modalidade, especialmente após a saída das jogadoras de referência da seleção e do esporte no mundo.

Copa FemiNINJA: Como você percebe hoje o cenário do futebol feminino brasileiro?
Carla Índia: É o melhor cenário de todos os tempos que já vivemos, não vou me apegar muito ao que falta. Hoje temos um campeonato nacional, às vezes demora a sair o calendário, mas temos um calendário.

Tem a série B, que é a A2, temos uma federação muito importante que alavancou o futebol feminino antes da própria CBF, que é a Federação Paulista. Em São Paulo tinha um campeonato mais longo do que o Brasileiro. Falta um pouquinho ainda as outras federações acompanharem esse processo.

Isso tem bastante a ver com a obrigatoriedade (a Conmebol passou a exigir que os clubes interessados em disputar suas competições masculinas tenham investimentos em torneios femininos – regra válida já neste ano de 2019 – e a CBF tornou obrigatório que cada clube que vá disputar o Brasileirão da Série A de 2019 seja obrigado a participar de competições femininas). Os clubes de camisa trazem, além dos apaixonados pela modalidade, os apaixonados pelo time. E torcedor brasileiro torce até para cuspe à distância.

Eu não gosto muito da obrigatoriedade, num mundo ideal, as coisas não deveriam ser obrigadas, mas foi o jeito que se encontrou. É a possibilidade que temos de sermos notadas. Mesmo depois que essa obrigatoriedade for extinta, quem começar a acompanhar, vai continuar.

Hoje, estamos muito mais visíveis, a modalidade mais popular. E isso abre uma janela de oportunidade de mídia, de investimento, de participação das pessoas, de interação da torcida com as atletas.

CF: Quais são as expectativas para a modalidade?
CI: São as melhores possíveis. Já ameaçamos alguns “booms” do futebol feminino no Brasil, mas acho que desta vez está mais estruturado, passa pela questão dos clubes, passa por uma questão social também, cultural. É óbvio que sempre haverá os preconceituosos, machistas, extremistas que usam rede social para atacar o que não conhecem. Mas hoje temos mais meninas, mais mulheres praticando o futebol. A mudança estrutural vem acontecendo de dentro pra fora também e, desta vez, tem mais chance de enraizar, de não ser uma coisa superficial.

CF: Houve avanços? Quais?
CI: Houve avanços. Eu me aposentei tem três anos e quase não tenho foto de mim competindo. Hoje, se vê muito na rede social. As pessoas, os profissionais de fotografia estão mais presentes na beira do campo nos jogos femininos.

Hoje tem muito mais mídia, tem muito mais times do que quando eu jogava, e olha que eu sou da geração da Marta e da Cristiane, a geração que passou antes de mim pegou situações muito piores.

Tem mais time, mais campeonatos, mais tempo de campeonato, aumentou a competitividade, isso melhora a condição do jogo, fica mais atrativo para outras pessoas também. A estrutura que os clubes oferecem para o futebol feminino tem melhorado também.

O Corinthians, que é um grande time de futebol feminino e de referência pra mim, tem ônibus próprio, as meninas operam com os mesmos médicos que o masculino.

Até a nível de seleção brasileira, valor de diária que se pagava, a estrutura que se tem hoje são avanços consideráveis. É uma engrenagem e tudo vai funcionando junto para melhorar a qualidade do produto que queremos apresentar para as pessoas.

CF: E o que ainda precisa mudar para a seleção feminina se inscrever entre as principais seleções femininas do mundo, primeiro escalão, e conquistar um grande título mundial?
CI: As pessoas que passam pela seleção, algumas, defendem muito que a gente não tem futebol nas escolas, nas grandes praças. O problema não é esse, tem problemas de fora pra dentro e de dentro pra fora. O Brasil precisa encarar as categorias de base com bastante competência, tem que ter as pessoas certas para, desde cedo, essas meninas estarem se desenvolvendo muito bem fisicamente, tecnicamente, taticamente e psicologicamente.

As atletas precisam chegar à seleção adulta com todos os instrumentos necessários para só serem acertados detalhes, para o trabalho de lapidação. Isso eu não vejo acontecer nas categorias de base do Brasil.

Antigamente, a gente ganhava sul-americano com muito mais facilidade do que se ganha hoje. Todas as seleções do mundo, inclusive até as sul-americanas com muito mais dificuldade do que as europeias, vão evoluindo. E ninguém vai parar para esperar o Brasil.

É isso que o Brasil precisa: encarar a categoria de base com muita seriedade, conseguir fazer com que as jogadoras cheguem à categoria adulta, aos 20, 21 anos, prontas para render na seleção principal. Isso não tem acontecido.
Temos tido grandes apostas em seleções de base, meninas que demonstram muito talento, mas que ainda chegam à seleção adulta com muita deficiência. Se o clube não corrige, a seleção tem que corrigir.

CF: Marta, com 31 anos hoje, já disse algumas vezes que esta deverá ser a última Copa que ela vai disputar. Isso pode mudar ainda, mas ela diz que não se vê jogando uma Copa aos 35 anos. Depois da geração de Marta, quais os caminhos a seguir para as mulheres e as meninas que estão hoje aí jogando futebol?
CI: A Marta está se encaminhando para um final de carreira de seleção. E sempre se esperou muito que houvesse alguma transição, estamos há anos dependendo da Marta. Hoje, os grandes nomes da seleção são Marta, Cristiane, Formiga, que já eram grandes nomes há muito tempo.

Isso não está tão ligado ao talento, temos grandes talentos. Mas o que temos visto em outros países são seleções jogando muito bem e sem depender de uma ou duas jogadoras, são seleções que têm conjunto.

Continuamos produzindo, boas jogadoras, e talvez não tenha nenhum fenômeno igual a Marta, mas aí eu acho que não tem em país nenhum, nem as próximas melhores do mundo ou melhores da Europa podem se comparar com o que a Marta já fez.

Nós temos bons nomes, de 20 a 28 anos, que podem chegar e substituir Formiga, Marta, Cristiane. Acontece que, há muito tempo, essas jogadoras estão sendo “deixadas de lado” e não estão sendo preparadas para essa transição, principalmente como conjunto.
Essa transição da idade, o fato de chegar ao adulto e receber a cobrança e a condição de render o que ela pode render individualmente e dentro de um conjunto.

Hoje a gente vê grandes seleções se destacando dentro de um sistema de conjunto. O Brasil tem que entrar nessa onda, desenvolver todo mundo junto e isso não vem acontecendo. Antigamente, a gente resolveu muitos jogos na base do talento. Hoje, o talento está batendo de frente com força física, sistema de jogo, posicionamento tático e a gente precisa acompanhar essa mudança.

Temos jogadoras competentes sim, capazes de suceder essa geração brilhante de 2007. Mas a gente precisa de trabalho, desenvolver os potenciais individuais delas dentro do grupo, cada uma dando o seu melhor em prol de um sistema, de um padrão de jogo que a gente reclama hoje que não vê na seleção brasileira.

Em outros momentos, as nossas jogadoras que estão na França já renderam muito mais. E isso não tem a ver apenas com a idade, tem a ver com o comportamento da seleção brasileira hoje como coletivo. A grande maioria já vimos render muito mais. Falta encaixar o quebra cabeça, e se tiver que aparar uma pontinha ou outra de cada peça pra encaixar isso, tem que ser aparado e é onde a gente tem falhado.

Por isso a gente não vem se destacando em gerações, muito menos por falta de ter material humano do que da lapidação desse material humano.