Negligenciando relatório de risco de deslizamento da Rocinha divulgado em 2010, Prefeitura do Rio agora quer demolir as casas com risco de novo desabamento sem oferecer indenização capaz de dar alternativa justa aos removidos.

A Região do Labouriaux é um dos pontos mais altos da conhecida Favela da Rocinha. Valorizada pelo visual da paisagem exuberante, é cercado de encostas e desfiladeiros íngremes. Encontra-se ocupado desde 1970. A partir de 1981 a prefeitura ordenou a ocupação com obras de estabilização do terreno, tendo realizado reassentamento de 73 famílias que sofriam com as enchentes no Valão, parte baixa da Rocinha.

Desde 2006, a área vinha sendo objeto de regularização fundiária para a garantia da posse através da concessão do direito real de uso para fins de moradia, no âmbito do Programa Papel Passado do Ministério das Cidades e executado pela Fundação de Direitos Humanos Bento Rubião. Porém, a prefeitura interrompeu esse programa em 2010.

Neste mesmo ano a região foi atingida por fortes chuvas ocasionando alguns deslizamentos e vitimando 2 senhoras, mãe e filha. Na ocasião, a prefeitura, comandada por Eduardo Paes, ameaçou retirar todas as casas da região, totalizando aproximadamente 1000 famílias, que desde então se organizaram, resistiram ao despejo e vêm pleiteando intervenções públicas de melhorias urbanísticas, estabilização de encostas e retomada do processo de regularização fundiária.

Foto: Mídia NINJA

A Geo-Rio realizou três intervenções de contenção de encostas. Em 1985, 1992 e em 2010 produziu os Relatórios 04/2010 e 05/2010, tendo sido parcialmente implementado em 2013 quando foram realizadas obras de estabilização de encostas (processo nº 00061018172011), drenagem e recuperação ambiental a jusante da Rua Maria do Carmo, local que a Mídia NINJA visitou, para redução de risco geotécnico.

Um laudo foi criado pelo Coletivo Técnico Voluntário em Apoio às Comunidades em Luta Pela Moradia que apontou as principais áreas que precisavam de intervenção para evitar futuros desastres. Entretanto os pontos executados foram apenas os que levavam risco de soterramento para condomínios de luxo do Alto Gávea, deixando de fora regiões críticas que poderiam ocasionar, caso houvesse um deslizamento, a queda de escombros dentro da própria favela.

Visita de engenheiros e equipe da Mídia NINJA. Foto: Jorge Pereira / Mídia NINJA

Em 9 de abril de 2019, mais uma vez afetada pela chuva, os pontos de maior risco, já conhecidos do poder público, deslizaram e derrubaram duas casas. Felizmente, não ocasionou vítimas, pois elas haviam evacuado o local.

O Relatório sobre a visita técnica realizada no Laboriaux (Rocinha) em 29 de Abril de 2010, e Parecer Técnico elaborado por profissional de engenharia que assessorou os moradores, Maurício Campos, concluiu que “a recuperação das encostas, com contenções, drenagens e outras intervenções, deve ter como um dos objetivos precisamente evitar reassentamentos desnecessários.” Apontou, ainda, que há possibilidade de realizar intervenções públicas garantindo a permanência de residências.

No dia 13 de julho de 2019, o referido engenheiro retornou ao local e vistoriou as demolições, tendo constatado que foram arbitrárias e reiterou que seria possível iniciar as obras de contenções sem demolir as casas.

“A prefeitura propôs demolir todas as casas da comunidade, e quando os moradores organizados impediram, passaram do 8 para o 80, ou seja, não removeram a comunidade, mas não realizaram as obras necessárias e também não fiscalizam o ordenamento de novas construções” afirma o engenheiro.

E agora a atual prefeitura, sob o comando do Bispo Crivella demoliu 13 casas e pretende, a partir dessas, iniciar uma série de remoções na Rocinha.

A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro executou cerca de 13 demolições de moradias nas ramificações da Rua Elizete Maria dos Santos, antiga Rua José Inácio, sem quaisquer esclarecimentos, justificativas e apresentação de projeto de obras de estabilização de encostas.

Há cerca de 200 casas interditadas na Rocinha, nas localidades: Vila Laboriaux, Portão Vermelho, 199, Cesário, Macega, Dioneia e Cachopa.

Foto: Mídia NINJA

Na situação do primeiro deslizamento, os moradores foram indenizados a partir do programa Minha Casa Minha Vida, com a compra assistida de outro imóvel ou com indenização de valor muito baixo, uma vez que a prefeitura apenas considerou o valor das benfeitorias. Agora os moradores removidos receberão ainda menos, o aluguel social de R$ 400 por dois anos.

“Um quarto aqui, um kitnet no caso, fica em torno de R$ 600 o aluguel. No caso então de uma família com filhos, fica inviável”, afirma João Batista, morador da área.

No dia 10/07/2019, ocorreu uma reunião na Secretaria Municipal de Habitação, contou com a participação de membros do gabinete da subsecretaria de Habitação e representantes dos movimentos comunitários da Rocinha e comissão de moradores do Laboriaux, Conselho de Arquitetura e Urbanismo, Defensoria Pública, um jornalista da Mídia Ninja e assessoria do Renato Cinco (membro da frente parlamentar pela moradia e contra despejos e remoções), cuja pauta tratou das demolições na região.

Na ocasião esclareceram que algumas casas foram demolidas em razão da situação de risco de deslizamento e para viabilizar a execução de obras de estabilização de encostas. Os moradores requereram 3 pontos para garantir a participação democrática no processo: a abertura de um canal de diálogo para que os moradores possam incidir nos processos de planejamento e elaboração e execução de projetos de intervenções na rocinha; a suspensão imediata das demolições no laboriaux e em qualquer local da Rocinha até a apresentação dos projetos de contenções e divulgação do relatório técnico que está sendo produzido pelo GT intersetorial da prefeitura criado por decreto a partir de encaminhamento da audiência pública da CPI das enchentes.

A consequência da falta de atenção a pontos conhecidamente de alto risco torna evidente a negligência da prefeitura independente da gestão que está à frente. Apesar do histórico de acidentes, a prefeitura não realiza as obras necessárias e tenta utilizar da iminente possibilidade de deslizamento para remover famílias de suas casas sem oferecer uma alternativa justa.

Moradores da Rocinha apresentam o histórico de descaso na região. Foto: Jorge Pereira / Mídia NINJA

Risco de deslizamento já havia sido apresentado por laudo de engenheiros. Foto: Jorge Pereira / Mídia NINJA