.

por Luiz Eduardo Soares e Marcelo Freixo

Nossa amizade com José Padilha é a demonstração de que relações pessoais podem resistir às diferenças políticas. Ele escreveu um artigo, publicado por O Globo (7/11/2018), em que nos apresenta como representantes de uma esquerda derrotada que teria naufragado nas urnas por apegar-se à ideologia em detrimento da ética – como se a ética tivesse vencido a ideologia, no Brasil.

Seria por isso que o candidato a deputado estadual mais votado no Rio foi o homem que rasgou a placa de Marielle? O Brasil teria votado pela ética ao eleger quem defendeu grupo de extermínio e tortura? Los Angeles não está fazendo bem ao Zé. Talvez daí o ato falho: ele nos questiona, mas o título de seu artigo é: “E agora, José?” Padilha crê que de um lado está a distinção entre bem e mal, justo e injusto, de outro, a diferença entre ideologias. É como se separássemos o repúdio à corrupção da recusa a que seis bilionários acumulem a riqueza correspondente a 50% da renda nacional, ignorando que essa desigualdade inqualificável é fruto de um tipo de organização social e econômica, garantida e perpetuada por determinado arranjo do poder político. Como se nosso repúdio às desigualdades extremas não fosse ético, mas ideológico. Esses conceitos são controversos e muito mais complexos do que nosso amigo faz parecer. Poderíamos virar de cabeça para baixo sua avaliação, afirmando que é anti-ético sustentar posições políticas que viabilizem a reprodução das iniquidades sócio-econômicas. Valer-se da retórica “ética” para justificar sua posição política gera ilusão de objetividade e de falsa neutralidade, revelando-se uma clara manifestação ideológica.
Quanto à derrota, Padilha negligenciou alguns fatos: o PSOL cresceu quase 100%, passou de seis a 10 deputados federais, cinco homens e cinco mulheres, ultrapassando a cláusula de barreira. Progressistas e democratas, unidos no segundo turno, alcançaram 47 milhões de votos. As esquerdas, somadas, têm, no Congresso, o mesmo número de representantes que possuíam na legislatura anterior. A ultra-direita cresceu em detrimento do centro. Houve derrota, claro, mas não nos termos sugeridos por Padilha e pelos motivos alegados em seu artigo.

Finalmente, chegamos a Lula. Não somos membros do PT e temos sido críticos duros do partido, ao longo de anos, mas as divergências não nos impediram de reconhecer a escandalosa injustiça a que Lula e o PT foram submetidos. Padilha até parece admitir, ao menos por hipótese, que a condenação de Lula tenha sido injusta, mas, na sequência, refere-se a outras acusações como se já tivessem sido comprovadas, dispensando julgamento. Parece-nos perfeitamente ético refutar a condenação se a consideramos injusta.

Houve inúmeros casos na história de erros judiciais, bem ou mal-intencionados. Além disso, o anti-petismo nada tem a ver com críticas ponderadas e bem informadas sobre o desempenho do partido. O anti-petismo, viralizado como praga por redes sociais, alimentado por fakenews as mais abstrusas, é a crença de que todos os petistas são corruptos e de que esse partido é o foco não só da corrupção, mas de todos os males brasileiros. O que venceu as eleições foi antes essa patologia do que a ética, o justo repúdio à corrupção.

Quanto à Lava-Jato, a operação começou enchendo de esperança quem repelia a corrupção, entretanto, ao longo do caminho perdeu-se em sucessivos vazamentos e delações seletivos. Não nos parece minimamente razoável que se negue o caráter político-eleitoral do vazamento de antiga delação de Palocci, a seis dias do primeiro turno. O ingresso do juiz Moro no governo Bolsonaro, depois dessa intervenção, deixa claro para quem duvidava que Lula foi retirado da competição eleitoral intencionalmente e que foi essa a razão de sua rapidíssima dupla condenação. Veremos como a segunda temporada da série “O mecanismo” lidará com essa evidência.