Arielle Franco, irmã de Marielle Franco e Erica Malunguinho, deputada estadual eleita | Foto: Isabela Alves / Mídia NINJA

por Isabela Alves

Nesta quarta feira, 7/11, aconteceu o lançamento do livro ‘UPP: Redução da Favela’, tese de mestrado da vereadora Marielle Franco, na Aparelha Luzia, quilombo urbano localizado em São Paulo. Todo o evento foi organizado e produzido pela N-1 Edições, que também está vendendo o livro, clique aqui para acessar o site de vendas.

Fazem mais de meio ano que Marielle foi assassinada brutalmente, como seu motorista Anderson, no Rio de Janeiro. A vereadora era uma mulher negra, favelada e lésbica que lutava contra a invasão das UPP’s na Maré e nas outras periferias do Rio, além da causa racial e classista. Sua tese, e portanto seu livro, trata justamente disso.

O lançamento foi uma coisa bonita, do começo ao fim. Iniciando com o ponto de Exu, Erica Malunguinho apresentou sua filha Aparelha Luzia, explicou de forma poética e potente a conjuntura política, e a necessidade de deslocamento de pensamento, da importância do livro e da escrita de Marielle. Depois, Anielle Franco (irmã de Marielle), Mônica Benício (viúva) e a amiga de Marielle, que foi quem ajudou na organização do livro, Lis Rocha. O evento também teve a presença de artistas, como Rico Delasam e o grupo de dança Gumboot. Poetas como Aretha Sadique e Akin Kinte trouxeram seus versos e trejeitos para o espaço. As performances de Lucelia Sergio (Cia dos Crespos) e Agbara também compuseram a noite.

Rico Dalasam, Lucélia Sérgio e Zona Agbaras | Fotos: Isabela Alves / Mídia NINJA

O coletivo Casadalapa, conjunto de cineastas, fotógrafos, produtores, artistas também fizeram parte, compondo dois Lambes Lambes com a imagem de Marielle Franco, na rua da Aparelha. Marielle estará presente nas paredes, nas estantes, nas ruas.

Foto: Isabela Alves / Mídia NINJA

Mas, o que tem a ver todos os convidados, artistas e performances com o livro da Marielle? Qual a importância de ser na Aparelha Luzia? Qual o recado passado?

A cultura negra tem suas diversas faces, estamos mais que cientes que pessoas pretas transitam na fotografia, escultura, dança, grafite, quadro tinta óleo, aquarela, audiovisual, direção de arte, direção de filme, produção, roteiro, confecção de roupa, elaboração de projetos, sala de aula, e muitos outros espaços.

No entanto, não devemos esquecer a importância da consciência negra em todos esses campos, de que não só é um corpo ocupando um cargo, emprego, arte, mas sim um corpo preto que passou 518 anos neste país sendo desumanizado. Marielle, desafiou ainda mais e foi exercer política institucional, aceitando o peso de levar nossas pautas para dentro do poder e da esfera pública.

E ela, nessa aventura de ser destoante para eles, e forte para nós, não estava sozinha. “Nossos passos vêm de longe”, como diz Malunguinho. Assim, ter no evento tantos artistas, que conheciam Marielle antes de seu assassinato, ou depois, mostrou que sim um corpo negro que ocupa um lugar, é um corpo negro potente que move o mundo.

Quando uma mulher negra se movimenta, o mundo inteiro se movimenta com ela – Angela Davis

Foto: Isabela Alves / Mídia NINJA

A importância de ser na Aparelha, foi entre outras muitas coisas, a abertura da casa para pessoas brancas. O lançamento estava cheio de gentes brancas, amigos, conhecido, desconhecidos, héteros, homossexuais, não binários, pobres, classe média, e por aí vai. E todas as pessoas tinham algo em comum, todas reconheciam a importância da vida e da obra de Marielle, e principalmente seu legado. Mônica, sua companheira, em seu momento de fala, foi breve e incisiva, ressaltando como era precioso aquele momento no Ilê, espaço de resistência que representa a luta da vereadora, e que ela quanto mulher branca, mesmo que favela, entendia seus privilégio quanto a cor.

Érica também, em seu arte-discurso, frisou a responsabilidade da branquitude em deixar nossos corpos pretos de lado, e como isso resulta na normalização de nossa ausência e de nossas mortes. É imprescindível o respeito aos espaços pretos, os nossos ilês, e é de urgência o entendimento que a branquitude precisa ter sobre a luta anti racista.

Não há como descontextualizar o lançamento com a atual conjuntura política. Temos como presidente eleito alguém que repudia a população preta, feminina, LGBTQI+ do Brasil, que é declaradamente racista, machista, homofóbico. Além disso, dois dos deputados do PSL tiraram uma foto quebrando a placa em homenagem a Marielle Franco.

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Assim, o recado do lançamento é bem nítido: não ficaremos calados, estamos há 518 anos na luta e na denúncia do racismo e do etnocídio brasileiro. Como resposta à placa destruída, levantamos as nossas, que serão inúmeras, milhares e deixaram Marielle para sempre viva, nas ruas, nos livros, nos muros e nas palavras.

 

Foto: Isabela Alves / Mídia NINJA