Foto: Mídia NINJA

Confira entrevista com o deputado federal por Minas Gerais, Leo Monteiro (PT), é autor do projeto (12.334/2010) que se transformou na Política Nacional de Segurança de Barragens. O parlamentar fala sobre essa lei, o descaso das empresas e a falta de fiscalização nos empreendimentos.

Leia a entrevista

Deputado, você pode nos contar no que se resume a Política Nacional de Segurança de Barragens?

A Política regulamenta ações de segurança a serem adotadas nas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros de barragens em todo o território nacional. O objetivo é promover o monitoramento e o acompanhamento das ações de segurança empregadas pelos responsáveis por barragens, criar condições para que se amplie o universo de controle de barragens pelo poder público, com base na fiscalização, orientação e correção das ações de segurança, além de fomentar a cultura de segurança de barragens e gestão de riscos, entre outros pontos.

Esta Lei (12.334/2010), que é de minha autoria, e sancionada ainda no governo do Presidente Lula, é fruto de diversos seminários, audiências públicas com a participação dos segmentos acadêmico, técnico, governamental, de empresários do setor de barragens e movimento social e ambiental. Estas consultas públicas proporcionaram o texto legal que, a nosso ver, representa um avanço na relação entre as barragens, a sua segurança e o movimento social.

Qual era a situação da Barragem do Feijão que se rompeu hoje? Ela estava ilegal?

Infelizmente, a situação de risco em que se encontrava a Barragem do Feijão não é diferente da situação da Barragem de Fundão em Mariana, rompida em 2015, e de outros que ainda se encontram em situação de alto ou baixo risco. Segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA), das 17.259 barragens cadastradas entre 2014 e 2015, apenas 4% foram fiscalizadas pelo órgão.

Uma das razões apontadas pela agência é a falta de estrutura, apesar do governo de Bolsonaro minimizar a função e importância dos órgãos fiscalizadores. À época da tragédia em Mariana, que deixou 19 mortos, a última vistoria na barragem havia sido feita em 2012. Após o acidente, relatório do Tribunal de contas da União (TCU) já apontava que a fiscalização não conseguiu fazer com que a empresa cumprisse os padrões exigidos pela Lei 12.334/2010.

Tivemos acesso a dados que mostram que a Agência Nacional de Mineração deixou de fiscalizar em 2017 73% de barragens de rejeito no país. Esse é um dos ingredientes para essas tragédias anunciadas. Se cumprissem com a legislação e não mantivessem fiscalização tão precária, não teríamos tantos impactos ambientais e vidas em risco.

Para ter uma ideia, das 790 barragens de rejeito existentes no Brasil, somente 200 foram alvo de fiscalização, colocando em risco todos os trabalhadores, população da região e o meio ambiente.

Apesar da Barragem de Brumadinho não ter sido associada a nível crítico de risco, pelo Relatório de Segurança de Barragens de 2017, o monitoramento aponta risco B associado, o que significa o segundo nível mais alto. Ainda segundo o monitoramento, a cidade de Brumadinho tem 26 barragens monitoradas pelo governo federal. Dentro do cenário da informalidade com que o tema é tratado, praticamente metade não tem qualquer informação do nível de risco, e apenas uma possui um plano de segurança. Ou seja, a legislação não está sendo cumprida.

O que poderia ter sido feito para evitar este crime e qual a responsabilidade da Vale neste caso?

Cumprir a legislação é o primeiro passo para evitarmos tragédias como em Mariana e agora em Brumadinho. Temos uma legislação eficaz, o problema é o não cumprimento da mesma, a falta de fiscalização, de estrutura, e do rigor nas punições previstas. Outro ponto importante é o impacto das privatizações nessas empresas, que agora seguem a máxima do capitalismo selvagem. Não importam vidas. Colocam o lucro acima de qualquer coisa, meio ambiente, pessoas. E os impactos econômicos, sociais e ambientais são imensos. Mariana sofre até hoje, não só com a impunidade que ainda reina e muitas famílias sequer foram indenizadas, assim como a vida econômica de toda a região. Pescadores, ribeirinhos e toda uma cadeia produtiva prejudicada. Meio ambiente desolado por décadas. Famílias destroçadas. Enquanto não cumprirem a Lei, infelizmente, mais e mais vidas estarão sob risco.

É sabido que há mais de 600 barragens de mineração no Brasil, sendo elas mais de 400 só em Minas Gerais, quantas dessas correm riscos e o que pode ser feito para evitá-las?

Infelizmente, a informalidade ainda reina quando o tema é fiscalização. Como aponta o Relatório de Segurança de Barragens de 2017, 73% das barragens deixaram de ser fiscalizadas em 2017, o que coloca em risco a população e o meio ambiente dessas regiões.

Minas Gerais está ainda mais exposta pela quantidade de barragens, inclusive de alto risco. A única forma de evitar essas tragédias é cumprindo a Lei de Segurança de Barragens que possui todos os dispositivos necessários para evitar crimes como esses. E, claro, a punição exemplar desses desastres, muitos até hoje não solucionados.
O que se pode esperar nesta área de um governo que já sinalizou desmarcar terras indígenas, diminuir força de órgãos ambientais como Ibama e ICMBio?

Esse governo mostra em essência descaso com o meio ambiente e com a população de forma geral. Falas anteriores à posse presidencial já davam o alerta do tom que seria em relação aos órgãos ambientais. Descrédito do trabalho dos servidores, redução da estrutura, facilitação para o capital, e, claro, consequente queda na fiscalização.

A farra da exploração está aberta. Enquanto os interesses do mercado estiverem acima da vida humana e do meio ambiente desastres assim continuarão acontecendo. E agora com mais privatizações essa lógica só cresce.

Vemos hoje, 3 anos depois do crime em Mariana, uma situação de impunidade inadmissível, com nenhum preso, multas suspensas e reparação ineficaz. O que pode ser feito para garantir a punição no caso de Brumadinho?

Primeiramente precisamos que as investigações sejam rápidas e não se arrastem por anos como aconteceu na tragédia de Mariana. Agora, o presidente da Vale pede desculpas. De que adianta quando sabe-se que não está cumprindo a legislação e colocando em risco a vida de milhares de pessoas. Na Câmara dos Deputados, vamos sugerir a criação de uma Comissão Externa para acompanhar os trabalhos de investigação, apuração e punição dos responsáveis, cobrando a reparação rápida às vítimas e aos danos ambientais e de infraestrutura. A mídia e sociedade também possuem um papel primordial não só para ajudar os movimentos sociais que apoiam os atingidos por barragens, numa grande corrente de doações e solidariedade, mas cobrar agilidade da Justiça no processo. Mas, infelizmente, se os poderes público e judiciário não se empenharem na resolução dessa tragédia, muitas outras continuarão a acontecer. A flexibilização é o alimento para que mais desastres voltem a acontecer.