Foto: Mídia NINJA

Em cinco anos, muita coisa aconteceu na política brasileira. Muita coisa mesmo, mal dá pra acompanhar tantas reviravoltas e acontecimentos, mas lembrar das mobilizações em junho de 2013 nos ajuda a entender o momento que estamos vivendo hoje. Naquele ano, as grandes mobilizações assustaram o Estado brasileiro e a classe dominante, afinal fazia muito tempo que não víamos tantas pessoas nas ruas protestando e por pautas progressistas. As mobilizações que estavam relacionadas às altas taxas do transporte público também buscavam a melhora dos serviços públicos de saúde e educação, eram contra a violência policial e também dialogavam com a descrença no sistema político, representado na crítica a corrupção. Nessa época eu morava em Natal, que assim como Porto Alegre, Goiânia e outras cidades, já vivenciava grandes mobilizações contra o aumento da passagem antes do processo começar em São Paulo e ampliar a quantidade de gente na rua, de uma forma nunca antes vivida por minha geração. Lembro que conversava com militantes de várias cidades do Brasil, e o sentimento de esperança e alegria por estar vivenciando essa efervescência nas ruas era partilhado em nós que já lutávamos e nos organizávamos para transformar o país.

Por outro lado, esse processo gerou medo do lado de lá, os poderosos se preocupavam com o que poderia resultar os protestos de junho. Rapidamente, o Estado brasileiro e a burguesia aprenderam a lidar com a situação. Até 13 de junho, a linha era a mesma que sempre existiu, criminalização e repressão. Como os atos não paravam de aumentar e com a emergência da mídia popular que cobria em tempo real e de dentro as mobilizações, a grande mídia se viu encalacrada no seu próprio discurso. Para se safar realizou um giro coeso e passou a apoiar as manifestações enquanto disputava seus objetivos. A tal PEC 37 (que propunha retirar o poder de investigação criminal do Ministério Público) e a luta contra a corrupção passou a ser evidenciada pela grande mídia como as bandeiras principais dos atos. Hoje essa pauta histórica da esquerda, segue sendo usada no golpe pela direita de forma demagógica.

A grande mídia, também apontava as diferenças entre manifestantes, caracterizado como os cidadãos de bens, e criminalizava os “vândalos” mascarados, os sindicalistas e partidários apontava como oportunistas reforçando uma linha individualista contrária às organizações políticas. Nesse sentido, os grupos políticos novos, que apontavam a corrupção como a pauta principal dos atos e, teoricamente, sem nenhuma relação com partidos passaram a ser referenciados pela mídia. Com grandes investimentos por trás, grupos como MBL e Vem pra Rua aprenderam nesse período a usar as Redes Sociais para promover e disputar, junto com a grande mídia, as mobilizações. Mesmo que o animo inicial dos protestos fossem progressistas, o contexto de pouca capilaridade das organizações de esquerda e de baixa consciência política tornava os protestos ideologicamente ecléticos e, portanto, abertos para a disputa de suas bandeiras e rumos. E a direita aprendeu a disputar os protestos, tornando os atos de junho politicamente difusos na medida em que cresciam. Deste modo, em um determinado momento havia no mesmo metro quadrado militantes de esquerda e de extrema-direita disputando os atos. De junho pra cá, principalmente a partir de 2014 nas eleições, e com a tentativa de desestabilização do governo Dilma em 2015, houve um processo de decantação e polarização, ou seja, as mobilizações foram assumindo maior identidade política. Desde então, temos visto os atos nitidamente de Direita (Fora Dilma e após o Golpe, estão com dificuldade de continuar mobilizando durante o desgoverno Temer, mas continuam agindo contra Lula e se preparando para o processo eleitoral) e atos abertamente de Esquerda (Fica Dilma, Fora Cunha, Fora Temer, Greve Geral, Lula Livre).

E pensando em como nossos inimigos aprenderam com junho de 2013, observamos na maioria das cidades uma ação mais branda da polícia depois do dia 13, pois existia uma preocupação na repercussão cada vez maior da repressão e violência policial. Porém, esse recuo foi apenas momentâneo. Um estudo lançado esse mês pela “Artigo19” demonstra como os instrumentos de criminalização e violência aumentaram nos últimos cinco anos, assim como a democracia vem diminuindo no país. Diversos projetos de lei passaram a criminalizar ainda mais as mobilizações como a proibição do uso de máscaras, lei contra o terrorismo que na realidade age contra as organizações populares, lei contra o bloqueio de vias públicas, a burocratização do aviso prévio do trajeto nos atos. E ao mesmo tempo, a ação de vigia da polícia passou a contar cada vez mais com o mapeamento das redes sociais, filmagem dos protestos, infiltrações (como o caso Balta, nome usado pelo capitão infiltrado através do Tinder que deteve 18 jovens por supostas ações que eles iriam realizar em atos contra o golpe, novos armamentos pesados (blindados de Israel, traje robocop) e o uso de armamentos “menos letais” de forma indiscriminada (um grande perigo, foi por esse tipo de ação que a Deborah Fabri perdeu o olho esquerdo com uma bomba de efeito moral).

Além dessas ações coordenadas entre as Polícias, o Exército e a Agencia Brasileira de Inteligência, o sistema de Justiça também contribui com a criminalização dos movimentos sociais ao realizar censuras prévias de greves e atos através de interditos proibitórios, da proibição de protestos, condenações de manifestantes, culpabilização das vitimas pela repressão policial, ao mesmo tempo em que não investiga os abusos da polícia. É importante ressaltar que toda essa atualização na criminalização das organizações populares foi fundamental no processo do golpe e está totalmente relacionada a uma antiga estrutura de segurança pública marcada pelo racismo, pela relação corrupta com o tráfico de drogas e com a repressão da ditadura militar. Assim, Rafael Braga foi condenado, estamos com mais de 90 dias da morte sem explicação de Marielle Franco e Lula é preso político desde o dia 7 de abril.

Mas, Junho de 2013 também ensinou muito pra esquerda brasileira. Junho de 2013 foi a primeira experiência de luta para muita gente, um processo importante pra mudar a forma como o brasileiro lida com a política, apenas na urna. Ir para rua e protestar, passou a ser uma experiência cada vez mais comum pra juventude. Depois de junho vivenciamos lutas feministas, contra Cunha e a Cura Gay, ocupações de escolas e a resistência ao Golpe. Foi um momento onde se evidenciou a falência de uma prática política burocratizada e institucionalizada na esquerda. A crítica à velha política e aos discursos nos carros de som demonstrava a necessidade de inovar, da criatividade e a importância da articulação da arte e política, encontramos caminhos com a batucada, teatro, faixas e repensando o diálogo com o microfone, os Slams, as batalhas de Rap e diversos artistas e expressões culturais da juventude crescem relacionando a poesia com a política. Mas junho também demonstrou a importância das organizações de esquerda que atuam na política brasileira por décadas e com sua experiência ajudaram a resistir contra o fascismo e a disputa da grande mídia e da direita nos atos. É importante lembrar que as manifestações continuaram em julho, mobilizados pelos sindicatos, movimentos e partidos que não baixaram suas bandeiras no período e foram fundamentais na resistência ao golpe nos últimos cinco anos.

Unir “Junho” e “Julho” é a grande lição de 2013, ou seja, a nova geração que se formou a partir de junho apontando a necessidade de inovar não deve desprezar o acúmulo histórico das organizações populares que se forjaram nos últimos 40 anos, assim como essas organizações devem se abrir para o novo e resgatar o acúmulo histórico da organização popular e do trabalho de base. Unificar essas gerações de lutadores em torno de um projeto popular para o Brasil, é única forma de vencermos o Golpe. Cinco anos depois de 2013, o processo eleitoral que se aproxima aponta grandes possibilidades de dialogo com o povo, de conscientização e de criatividade, mas ir além do convite ao voto é uma lição que junho nos trouxe. Nesse sentido um caminho que estamos trilhando é a construção do Congresso do Povo, um espaço de dialogo e luta que muito me anima.

Por fim, acho que o maior aprendizado que junho de 2013 me trouxe foi a esperança no povo, nesse momento onde nossos inimigos estão ganhando diversas batalhas e vemos cada vez mais a democracia como a conhecemos diminuir, é importante ter animo e saber que em junho de 2012 ninguém apostaria que teríamos tantas pessoas nas rua defendendo pautas progressistas. Assim como não apostaria que a morte de Marielle Franco daria tanta repercussão ou que depois de tanto massacre midiático e perseguição jurídica, o Lula continuaria ganhando nas pesquisas. Temos que nos preparar, pois existe um fogo no povo e nós temos que estar prontos para ascender esse pavio e alastrar essa chama!

Conheça outros colunistas e suas opiniões!

FODA

Qual a relação entre a expressão de gênero e a violência no Carnaval?

Márcio Santilli

Guerras e polarização política bloqueiam avanços na conferência do clima

Colunista NINJA

Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

Márcio Santilli

Ponto de não retorno

Márcio Santilli

‘Caminho do meio’ para a demarcação de Terras Indígenas

NINJA

24 de Março na Argentina: Tristeza não tem fim

Renata Souza

Um março de lutas pelo clima e pela vida do povo negro

Marielle Ramires

Ecoturismo de Novo Airão ensina soluções possíveis para a economia da floresta em pé

Articulação Nacional de Agroecologia

Organizações de mulheres estimulam diversificação de cultivos

Dríade Aguiar

Não existe 'Duna B'

Movimento Sem Terra

O Caso Marielle e a contaminação das instituições do RJ

Andréia de Jesus

Feministas e Antirracistas: a voz da mulher negra periférica

André Menezes

Pega a visão: Um papo com Edi Rock, dos Racionais MC’s

FODA

A potência da Cannabis Medicinal no Sertão do Vale do São Francisco

Movimento Sem Terra

É problema de governo, camarada