Foto: Katiana Tortorelli

Neste último fim de semana, em pleno feriado da Páscoa, realizou-se em Juiz de Fora, Minas Gerais, o 8º Encontro das Mulheres Estudantes organizado pela UNE.

O maior encontro feminista do Brasil, nas palavras inspiradas da ex-Presidenta Carina Vitral. Mais de duas mil jovens mulheres, neste tempo de grave crise política, reunidas para discutirem suas questões.

Mulheres em Movimento mudam a Universidade e a Sociedade. Bravas Marianna Dias, atual Presidenta da UNE, e Anna Clara Franco, Diretora de Mulheres da UNE, com suas companheiras, marcaram um golaço.

O EME 2018 foi energizado pela figura bela e forte de Marielle Franco. A execução de Marielle, crime político que persiste irresolvido, trouxe para primeiro plano a sua própria luta: negra, favelada, lésbica, eleita vereadora com mais de 56 mil votos, Marielle ilumina a cena pública brasileira com sua morte e vida. Puxou para o centro a voz da quebrada.

Isso ficou evidente na mesa sobre o Golpe de 2016, da qual participei com a deputada estadual e candidata à Presidência da República Manoela d’Ávila, com a vereadora do PSOL em Niterói Talíria Petrone e com a youtuber e rapper Preta Rara. Ficou evidente também nas pungentes e indignadas manifestações da plenária.

O genocídio da juventude negra, o aumento da violência física e simbólica contra a mulher negra, a intervenção militar nas favelas do Rio de Janeiro, todas essas feridas abertas de uma opressão secular reenquadram a reflexão sobre o Golpe.

Não será possível superá-lo se limitarmos o confronto político ao plano jurídico-parlamentar no qual o Golpe foi desferido. Isso porque, inapelavelmente, a agenda neoliberal do Golpe é machista, racista e afronta abertamente os direitos humanos.

A natureza misógina do Golpe é indiscutível. A única mulher até hoje eleita (e reeleita) no Brasil foi deposta com requintes de crueldade. A desqualificação de Dilma, com a ofensiva (mal-sucedida) contra sua reputação, atinge a todas as mulheres na política e à legítima pretensão de que as mulheres se expressem politicamente.

A restauração identitária do Golpe, o governo dos homens brancos e velhos, representantes do creme do conservadorismo brasileiro, consuma-se pela agressiva adoção da agenda derrotada nas urnas em 2014. As anti-reformas (trabalhista, do Ensino Médio, da Previdência…), a Emenda Constitucional do Fim do Mundo, a gana desnacionalizante e privatista desta gente constituem o desmonte, longamente represado, da Constituição de 88: a destruição do incipiente estado de bem-estar social que tardiamente se construía no Brasil.

E aí é necessário entender este movimento como expressão da ofensiva internacional do neoliberalismo autoritário, essa estranha aliança entre ultraliberais e ultraconservadores, que aniquila os direitos sociais em favor da apoteose do capitalismo financeiro, de um processo de concentração da riqueza, inédito na história do mundo, de uma regressão da expressão feminina na vida contemporânea.

A melhor notícia do EME 2018 é a compreensão generalizada do profundo conteúdo do Golpe: o presente assalto aos direitos sociais é um ataque direto às mulheres, aos jovens e às jovens, aos negros e às negras.

O aguçamento das contradições prepara a alvorada de uma nova síntese. Isso é tanto mais importante na semana em que o STF prepara-se finalmente para examinar a legalidade da prisão de Lula, a mais importante liderança popular brasileira. O desdobramento do Golpe tanto conta com omissão como com a seletividade e o ativismo militante de uma parte do Judiciário, que desfigura, deslegitima e desautoriza este poder. Fica recolocada a pauta de uma profunda reforma do Estado em favor do florescimento democrático dos direitos do povo brasileiro.

O grande desafio para a esquerda brasileira, nesses tempos em que as redes regurgitam ódio e as fake news transformam em alucinação a lida cotidiana, é a construção de uma agenda política comum em que o conceito de “direitos do povo” avance para além da Revolução Francesa. Perca o seu perfume genérico. Agregue bodum, sangue, suor, todos os fluidos da ralação da vida vivida. E assim se expressem no orçamento público. Creche para todas as crianças. Para os filhos das mães que chegaram na universidade. Assistência psicológica para os que romperam todas as barreiras e são os primeiros de suas famílias cursando a educação superior. Revisão acadêmica dos cursos e projetos universitários que tenham a população da periferia como interlocutora e não como “objeto” de investigação. E isso para ficar só na Universidade. Se continuarmos a conversar, resultará uma lista extensa e muito relevante de tudo que precisa vir a ser.

Essas são as notícias promissoras do 8º EME. Frestas de luz na escuridão da caverna do Golpe. As jovens mulheres desfraldarão as novas bandeiras. E assim honrarão a vida e o legado de Marielle Franco.

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