Tentar calar oposições não é um caminho aceitável.

Foto: Mídia NINJA

Artigo de Guilherme Boulos publicado originalmente na Folha de São Paulo

Jair Bolsonaro teve a maioria dos votos e foi eleito presidente da República, o que não significa um cheque em branco do povo brasileiro a um pensamento único sem espaço para a oposição de ideias. O sufrágio se dá nas urnas, mas a democracia é prática cotidiana e pressupõe respeito a quem pensa diferente e, sobretudo, às liberdades constitucionais.

As declarações do presidente eleito, no entanto, são preocupantes: denúncias jornalísticas tornam-se “fake news”, movimentos sociais viram “organizações terroristas”, e manifestações populares são tachadas como “ataques à democracia”.

A uma semana das eleições, o ainda candidato do PSL falou a seus seguidores que os “marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria”. Em entrevista ao Jornal Nacional, já depois de eleito, tentou moderar o tom, mas reafirmou a ideia, apontando as cúpulas do PT e do PSOL como alvos de sua perseguição.

Citou-me nominalmente por ter, segundo ele, “ameaçado invadir” sua casa. Não é verdade. Valeu-se de uma ironia que fiz em uma manifestação e que todos que lá estavam ou assistiram assim notaram. Bolsonaro sabe disso, mas preferiu usar o caso para legitimar seu discurso de intolerância.

Eles têm pressa. Esses 45 dias de transição já começaram a ser utilizados para aprovação de uma agenda de retrocessos em direitos sociais e liberdades democráticas.

Em menos de uma semana, anunciaram-se o esforço para aprovar a toque de caixa uma reforma da Previdência rejeitada por 71% dos brasileiros (segundo o Datafolha) e a tentativa apressada de votar em comissões do Senado e da Câmara os projetos que criminalizam movimentos sociais como “terroristas” e o chamado Escola Sem Partido, instituindo uma patrulha de censura aos professores em escolas e universidades.

Os ataques a movimentos sociais têm tomado como alvos principais o MTST e o MST. Parecem desconhecer o fato de que estes não existem por vontades de lideranças, mas pela histórica negação dos direitos à moradia e à terra. Temos uma das estruturas agrárias mais concentradas do mundo e mais de 6 milhões de famílias sem acesso a moradia digna.

Além disso, é uma invenção absurda que o MTST “invade a casa das pessoas”. Há, sim, uma enorme quantidade de imóveis abandonados, grilados ou com dívidas impagáveis, que descumprem tanto a Constituição quanto o Estatuto das Cidades e que só não foram desapropriados para habitação social porque a lei frequentemente falha quando se trata de enfrentar grandes interesses econômicos.

São esses imóveis que os movimentos de moradia ocupam. Tratar essas organizações como “terrorismo” é um atentado à democracia.

Lutar por direitos sociais e fazer oposição são regras básicas do jogo democrático e não “ação de marginais”. Tentar calar opiniões e oposições, impondo uma agenda de medo até mesmo sobre as liberdades de imprensa e manifestação, não é um caminho aceitável. Por isso, mais do que nunca, temos o desafio de construir uma Frente Ampla pela Democracia, com a participação de partidos, movimentos sociais, lideranças políticas, juristas e todos aqueles que tenham preocupação com os caminhos do nosso país.

Cabe aos movimentos sociais seguir lutando por direitos. Cabe à imprensa manter um trabalho independente e crítico, sem censuras ou ameaças. E, finalmente, cabe aos demais Poderes da República –Congresso e, em especial, o Supremo Tribunal Federal– saber frear excessos do Executivo, preservando o respeito à diversidade, a democracia e condenando qualquer tipo de perseguição política.

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