Rubem Confete

Entrevista e foto por Eduardo Sá

Rubem Confete já fez de tudo um pouco. Jornalista, compositor, cantor, teatrólogo, radialista, estudioso das questões afro-brasileiras e militante, dentre outras atividades. Trabalha na Rádio Nacional há mais de 30 anos, na qual conviveu com grandes artistas da cultura popular brasileira nos seus programas. Profundo conhecedor do samba, aos seus 83 anos continua na luta mesmo com deficiência visual. Nos recebeu na sede da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), onde trabalha até hoje, para falar sobre a renovação do samba carioca.

Após mais de 60 anos convivendo no meio do samba, inclusive compondo e cantando músicas famosas, Confete considera que essa nova geração é ainda melhor que a anterior.

Segundo ele, a garotada tem estudado muito e vem compondo músicas lindíssimas embora não tenha a visibilidade na mídia e o reconhecimento que merece. Defende, no entanto, que está faltando profissionalização no meio com uma produção mais estruturada de forma a possibilitar mais renda e visibilidade aos artistas.

Veja na entrevista abaixo os principais temas abordados durante a conversa.

Alguns colegas denunciaram, logo depois da entrevista, o péssimo tratamento da empresa com ele. Idoso, deficiente visual, é obrigado a ir todo dia marcar o ponto, embora seu programa entre no ar apenas aos domingos. Dizem que uma das mudanças institucionais da EBC desde o governo Temer foi tentar afastar os aposentados pelo cansaço. É possível encontrá-lo todo dia a tarde na portaria do edifício durante seis horas.

Vários sambistas da antiga estão morrendo e tem uma galera de uns 30 pra 40 anos se consolidando que está na estrada há uns 15 anos, concorda?

Concordo, na Lapa teve muita gente boa, o Moisés Marques, João Martins, uma galera de jovens que começou praticamente por ali. Tem também um grupo que começou com o Moacyr Luz no Samba do Trabalhador, no Renascença, há uns dez anos. No Cacique de Ramos também apareceram vários jovens para cantar, compor, etc. Considero que está havendo uma renovação, que não é ligada a escola de samba, que é um desastre, mas principalmente às rodas. Gabrielzinho de Irajá, Juninho Thybau e vários outros.

Esses músicos estão todos no Samba Social Clube, qual a relação com esse movimento?

É a oportunidade que eles têm de mostrar seus trabalhos.

O Samba Social Clube dá uma abertura, porque a divulgação está muito difícil através da rádio e televisão. Eles vivem buscando mais espaço nas redes sociais do que propriamente nos meios oficiais.

Essa mídia que botava os ícones do samba não existe mais. Trabalho aqui na Rádio Nacional, já tive programa de até três horas, e agora tenho dois no domingo de uma hora cada um. Dava espaço para todos durante toda a semana e hoje não tem mais. A Roquete Pinto, por exemplo, mudou o governo, não sei qual a linha que eles vão adotar, fica difícil. Mas a turma está encarando assim mesmo, através das redes sociais eles se comunicam e montam suas rodas. Você tem percussionistas, músicos bons, muitos deles filhos de músicos. O filho do Claudio Jorge, o Gabriel Versiani, por exemplo, tá tocando um violão muito bom. O Chico Alves também fazendo um trabalho bom e trazendo uma galera, tinha o pessoal do Candongueiro, de Niterói, que agora tá muito disperso. Está acontecendo muita coisa, só que de outra maneira.

Você citou algumas casas tradicionais, mas o mercado do samba mudou? O músico profissional precisa ganhar dinheiro, né, ele se reinventou então com novas formas?

Tá muito complicado! Primeiro porque essas casas de samba sempre pagaram muito mal, não deram muito prestígio. Com toda aquela história da Lapa, por exemplo, os meninos ganhavam muito mal ou não ganhavam. Eles estão se agrupando, estão se arrumando do jeito deles. O Grupo Arruda, por exemplo, consegue fazer algo que eu considero sensacional: fecham praça, rua, eles têm o público deles e ganham dinheiro.

É mais interessante assim, muito mais ousado, não ficam restritos aos locais fechados aguardando na portaria.

Mas tem um problema nisso, você teve recentemente a Festa da Raça sendo embargada na Praça Tiradentes e a tradicional roda da Pedra do Sal também, que sempre foi na rua.

Isso é a política do prefeito atual, ele não tem a mínima sensibilidade para a manifestação popular chamada samba. Ele é um pastor protestante e bota pessoas lá que ele quer. O Leandro Fregonesi estava fazendo samba também na rua, mas essa autorização dos órgãos públicos é outro problema. Esse prefeito não conta, é uma pessoa avessa à manifestação popular porque ele quer implantar a igreja dele. Claro que ele não vai conseguir, porque a turma vai resistir e sempre encontrar um caminho.

Falando em resistência, você acha que mudou muito a aceitação da sociedade em relação ao samba? Você fala da questão do Mano Elói criando sindicatos e tudo mais lá atrás, como é hoje?

O samba hoje está fixado e não tem jeito. Assim como você tem o artista jovem tem também o público jovem, um público mais intelectualizado, porque é um jovem que tem o nível superior e gosta do samba. O tempo do mano Elói era o da força, da porrada, não tinha nada disso aí, brigava muito para ser incluído.

Hoje ele não sofre um processo de inclusão, está acontecendo naturalmente e cada dia tem mais jovens interessados.

E nessa dinâmica histórica perdeu sua essência e raiz, ou se transformou de uma forma positiva?

Ele tem mutações, mas temos os jovens aí com composições magníficas. Tem um grupo lá em Campo Grande que os caras são sensacionais, todos estudaram música e estão sabendo o que estão fazendo com os instrumentos, entende? Ninguém perdeu musicalidade, pelo contrário. Esses dias estava lembrando do Alfredo Del Penho, que eu conheço desde o Candongueiro, ele tem uma atuação incrível tanto como compositor ou cantor. O Gabrielzinho de Irajá, que tivemos a honra de colocá-lo na Rádio Nacional, hoje é um cara incrível. Ele é parceiro do Marquinho PQD, por exemplo, são duas gerações que se respeitam. O jovem está cada vez mais interessado, sabendo música, estudando, seja ele um percussionista ou músico de harmonia, os próprios cantores.

Essa transição geracional pode ser considerada como uma continuidade, então? Até porque o pessoal da antiga já abraçou muitos deles, não é uma ruptura.

Não é uma ruptura, essa juventude está hoje muito melhor que na época que nós começamos.

Tenho 60 anos nessa história aí, e a juventude hoje é outra coisa! Eles estão indo pra academia, procurando professores, ninguém está de bobeira.

E embranqueceu um pouco o samba com essa coisa da erudição, perde um pouco a espontaneidade também?

O embranquecimento foi natural porque o jovem negro está em comunidades carentes sufocadas principalmente pelo tráfico de drogas, e lá não tem oportunidade porque o traficante impõe o funk que dá dinheiro com suas festinhas. Então ele está acostumado a isso, o jovem não tem oportunidade numa comunidade carente. O samba desceu e o jovem branco entendeu a força musical e foi estudar e participar. Mas na Serrinha, por exemplo, de vez em quando nasce um grande percussionista ou compositor negro. Na turma lá do Ponto Chic em Padre Miguel você encontra uma galera negra, porque nesses lugares o funk não entrou e o samba predomina dando oportunidade a eles aprenderem.

Os artistas nos sambas das casas e nas ruas do centro e zona sul têm se manifestado bastante politicamente, geralmente mais a esquerda, isso é uma coisa que já vem lá de trás do samba?

O sambista sempre foi um pensador, sempre teve sua opinião política. Evidentemente que no tempo do seu Elói eles tinham outra maneira de se manifestar, mas existia a resistência. Se você ouvir samba do Paulo da Portela, por exemplo, e Candeia posteriormente você nota que existia uma resistência. No momento atual o poder de manifestação é esse mesmo da rua, mas hoje não adianta mais!! Há 40 anos eu tinha preocupação de que o samba poderia ser massacrado e hoje não tenho mais.

As ruas, redes sociais, bares, estão com samba.

Aquele movimento da Praça Tiradentes é incrível e acontece, não tem jeito. Tem muitos pólos acontecendo essas coisas tranquilamente. Você tem o filho do Marcos Esguleba tocando percussão pra caramba, um filho do João de Aquino tocando muito violão. Está tudo aí, não tem mais aquela história de dizer que vai acabar. Considero apenas que o samba sofre um processo de desorganização editorial.

Você diz no sentido da profissionalização da parte de produção?

Você vê os sertanejos, todos eles têm uma linha editorial, escritórios. Esses caras eram catadores de tomate, vieram da roça, só que alguns viram que isso ia dar dinheiro então se organizaram, fizeram contratos. Os caras começaram na rua.

Mas facilita também porque eles não têm nenhuma conotação política, é tudo comercial…

O negócio deles era cantar, aí encontraram algumas pessoas que criaram produtoras e foram embora. O samba não tem essa profissionalização, e isso me assusta ao saber que tem pessoas que estão há muitos anos sem ninguém por trás assessorando. O camarada batendo de frente não dá certo, tem que ter uma equipe para assessorar, fazer a publicidade, etc.

Enquanto jornalista, você acha que a mídia é um pouco reativa a dar voz e visibilidade ao samba?

É tradição, e eu digo em causa própria porque trabalho há muitos anos com isso e só agora estou conseguindo ter um contato com uma produtora. Então não tem papo, eu vou agora e já sei onde será o show, eles divulgam, etc. É outra história, a gente nunca teve essas coisas de assessoria e marketing e sem isso não vai. Hoje faz parte e não adianta, ou você está no núcleo do Cacique de Ramos ou Renascença, por exemplo, que são casas já com público próprio, ou fica muito difícil.

Sem a produção a coisa não vai porque o camarada fica sozinho trabalhando. Fico admirado como ainda vejo vários sambistas que ainda fazem essas coisas sozinhos.

Mas ainda assim essa geração nova ainda vai dar muito fruto por ai?

Não tenho a mínima dúvida, quanto a isso estou sossegado. O samba está muito bem representado. Conversando recentemente com o Paulão Sete Cordas ele dizia que não ligava quando o filho queria tocar e quando foi ver ele já estava tocando e estudando por aí. Quer dizer, tem muita gente estudando e fazendo bem, inclusive saindo do país e substituindo grandes obras. O samba está muito bem representado só que não está mais só nas escolas de samba, porque elas estão viciadas e os dirigentes são preguiçosos e se desfizeram da ala de compositor em prol do mercado. Colocam lá samba para disputar o samba enredo e cada um tem que botar tantas cabeças dentro da quadra pagando ingresso e cerveja.

Virou outra coisa, o cara não tem mais oportunidade de fazer o samba dele ali e prosperar.

O Renato da Rocinha, por exemplo, tem lá o seu lugar e está lançando outro CD e faz bem as suas coisas. O problema não é o artista, o compositor, o percussionista, e sim a questão mercadológica por falta de organização e isso é imperdoável. A juventude está aí e eu não esperava, isso porque eu venho do tempo do compositor que estava preocupado em mostrar o seu trabalho aguardando que um cantor gravasse as suas músicas. Agora não, é um outro momento e muito legal. Quem é, vai ficar.

Em relação às escolas de samba, como você vê o carnaval de hoje?

A escola de samba está num processo de decadência porque a entidade que administra, a Liesa, deitou-se em berço esplendido e desconsiderou colocar dez compositores num samba e isso não existe. O meio de divulgação através de CD além dele ser mal feito é mal divulgado. Então as pessoas não vão mais com aquele entusiasmo a Marquês de Sapucaí e aí acabou, mas em contraposição o jovem veio pra rua e foi criando os grandes blocos. Não vou discutir o bloco da Preta Gil ou da Anitta, mas o jovem está na rua fazendo carnaval. O samba tinha que se organizar para fazer uma grande produção e botar um grande bloco na rua também, entende? Repertório tem, público também.

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