Foto: Vinícius Mendonça/ Ibama

Por Rachel Silva Alves Bartolomeu

Aqui serão apresentadas observações e considerações referentes ao texto base do novo marco legal do licenciamento ambiental no país. O citado texto encontra-se na sua terceira versão datado no dia 18/07/19, cujo relator é o deputado Kim Kataguiri, tem como objetivo estabelecer normas gerais para o licenciamento de atividade ou empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidor ou capaz, sob qualquer forma, de causar degradação do meio ambiente, previsto no art. 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, e dispõe sobre a avaliação ambiental estratégica (AAE) de políticas, planos ou programas governamentais e o zoneamento ecológico-econômico.

Primeiramente, é importante discorrer com mais atenção sobre os artigos 8° e seu inciso II e o artigo 9° e seu parágrafo §1°, já que consiste na possibilidade de dispensa da exigência do Licenciamento Ambiental para atividades ou empreendimentos dos setores de infraestrutura e atividades ligadas à agropecuária.

Os artigos suscitados acima foram alvos de críticas por parte dos órgãos de fiscalização e organizações ambientais e civis, uma vez que foram realizados acordos anteriormente firmados com ruralistas, ambientalistas e órgãos de fiscalização que buscavam, a priori, implementar um marco legal que garantisse segurança jurídica ao processo de licenciamento ambiental.

Contudo, o que foi submetido, em caráter de urgência na Casa Legislativa, foi um substitutivo que torna o licenciamento uma exceção em vez de regra, como bem retratou a Nota Técnica assinada por pesquisadores e organizações ambientais.

Exemplo que corrobora a assertiva acima é o fato de se o Projeto de Lei 3.729/2004 vier a ser aprovado com a atual redação fica dispensado de licenciamento:

  • atividades de caráter militar;
  • atividades ou empreendimentos como serviços e obras direcionados à melhoria, modernização e manutenção de infraestrutura de transportes em instalações pré-existentes;
    atividades agropecuárias;
  • Portanto, constata-se de forma mais evidente que a inclusão desses artigos no Projeto de Lei 3.729/2004, assim como outros que serão tratados mais a frente, causará um severo desequilíbrio na balança que relaciona sustentabilidade ambiental, progresso econômico e social.

Segundo o consultor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental) Maurício Guetta, em entrevista ao site IHU On-Line, datada no dia 16/12/2006, “a função do licenciamento é resguardar a principal característica do meio ambiente, que é essa impossibilidade de reparação. Por isso precisamos prevenir os danos, em vez de deixá-los acontecer para depois tentar repará-los”.

Isso significa dizer que a aprovação do atual texto fomentará impactos indiretos, uma vez que viabiliza a dispensa de licenciamento em atividades e empreendimentos como nas obras de manutenção, melhoria e modernização de estradas, como por exemplo, a BR-319 (município de Porto Velho-RO até a capital de Manaus), que ainda não foram concluídas e faz parte da região Amazônica.

Outro ponto de bastante divergência entre ambientalistas e ruralistas (Frente Parlamentar Agropecuária FPA) é a possibilidade do setor agropecuário estar isento, em algumas atividades, de importantes estudos de impactos ambientais pela simples inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR – trata-se de um registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem por finalidade integrar as informações ambientais referentes à situação do imóvel). Isso traz uma insegurança na veracidade das informações cadastradas no CAR, pois cabe ao proprietário ou possuidor do imóvel a localização de áreas protegidas como áreas remanescentes de vegetação nativa, Áreas de Preservação Permanente, Áreas de Uso Restrito, áreas consolidadas e Reserva Legal. Dessa forma, a inscrição passaria a ser autodeclaratória com efeitos de licença.

Sobre esse enfoque, o Consultor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental) Maurício Guetta, ressalta que “o projeto é uma colcha de retalhos”, que isenta atividades impactantes de licenciamento, reduzindo segurança ambiental das obras.

O texto, nos artigos 40 parágrafos §1°, §2 °e §3° e 41 parágrafo §3°, §4 ° do Projeto de Lei 3.729/2004, também prevê mudanças na participação de instituições como a Funai (Fundação Nacional do Índio), Fundação Palmares, INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), IPHAN (Instituto do Patrimônio Artístico Nacional) e o ICMBIO (O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), tendo em vista que com a legislação atual possuem poder vinculante para vetar concessão de licenças ambientais, entretanto se for aprovado o Projeto de Lei 3.729/2004 a participação será meramente consultiva no processo de licenciamento. Cumpre registrar que o texto concede autorização imediata para licenças, caso manifestação dos órgãos ambientais não respondam no decurso do prazo, o que não seria salutar para os objetivos almejados por essas instituições ambientais que é a preservação do patrimônio histórico, cultural e do meio ambiente.

O último ponto a ser destacado no texto do Projeto de Lei 3.729/2004 é a flexibilização para que Estados e Municípios possam dispensar licenças ambientais com a finalidade de atrair novos investimentos sem a permissão e fiscalização do IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente), uma vez que o Artigo 1° e seu parágrafo §1° não tratou com eficiência a competência para o licenciamento ambiental, a falta dessa regulamentação permite diferentes interpretações e aplicações dos três entes Federal, Estadual e Municipal. Na percepção do consultor jurídico do ISA, Maurício Guetta, com essa flexibilização “vai se instaurar uma guerra fiscal ambiental pela flexibilização do licenciamento entre os estados”.

Dado o exposto e tendo em vista as considerações apresentadas faz-se necessária um debate mais profundo sobre os artigos do Projeto de Lei 3.729/2004 elencados acima a fim de estabelecer um mínimo de razoabilidade entre equilíbrio econômico com desenvolvimento sustentável. Como bem define o professor Paulo Affonso Leme Machado: “como o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito inalienável da coletividade, incumbe ao poder público ordenar e controlar as atividades que possam afetar esse equilíbrio, em atendimento ao comando do art. 225 da Constituição Federal”.

Por tais motivos é tão importante a participação de forma vinculante de órgãos de diferentes níveis, Instituições ambientais e da sociedade envolvida no processo de licenciamento ambiental. Diversas atividades humanas estão sujeitas a regras de comportamento destinadas a garantir a qualidade do meio ambiente porque utilizam diretamente recursos naturais de determinada região a ser licenciada.

Finalmente, e por tratar a matéria de grande impacto ambiental que podem causar danos irreparáveis para a coletividade, faz-se imprescindível que a nova lei de licenciamento ambiental seja constituída com critérios bem definidos em busca a conjugar crescimento econômico com o fortalecimento ambiental, da proteção do patrimônio histórico e cultural e a proteção aos direitos das populações indígenas e quilombolas.

Rachel Silva Alves Bartolomeu é advogada e especialista em Direito Ambiental.

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