Foto: Mariana Kimura / Caipira Lab

Por Mariana Kimura / Caipira Lab

Não é de hoje que dizem que a identidade caipira e sua cultura não existem mais e há alguns fatores que podem contribuir para esse ponto de vista, elencados por quem defende essa ideia: a industrialização, a globalização, a massificação da cultura, a revolução verde. De fato, esses fatores marcam a trajetória da cultura caipira, porém como pressões que essa cultura sofreu e foi resiliente. Assim, olhar a identidade e cultura caipira como extintas é invisibilizar todas suas formas de resistência.

Antônio Cândido, no livro “Parceiros do Rio Bonito”, já apontou para a transformação do modo de vida caipira. Acentuo que transformação não é prenúncio de extinção, pelo contrário, foi e é processo obrigatório e necessário para sobreviver. O caipira, antes característico do campo, sofreu ciclos de êxodo rural provocados, em um primeiro momento, pela industrialização e mais recentemente pela dita “revolução verde”, projeto de monocultura, transgênica e repleta de agrotóxicos, financiada pelo agronegócio. E não há nada de pop nesse agro, pois cada vez mais, o campo se torna hostil para o modo de vida caipira autossuficiente, por meio da agricultura de subsistência e do modelo econômico de parceria.

Foto: Mariana Kimura / Caipira Lab

O êxodo rural fez e faz com que o caipira seja marginalizado na sociedade do consumo, ocupando a base da pirâmide social. Se antes seu modo de vida era nomeado como “primitivo”, hoje, no auge do “desenvolvimento”, os elementos que o compõe aparecem muito fortemente em movimentos que buscam a sustentabilidade. É o caso da agroecologia, que visibiliza a pauta da agricultura de subsistência, e da economia colaborativa, que nada mais é do que o modelo de parceria já conhecido pelos caipiras. Pode-se dizer então que primitivo é o modelo econômico que trabalha na escassez, isto é, no esgotamento de recursos naturais e competitividade exploratória.

Apesar da mudança do espaço, os sujeitos não são destituídos de sua cultura e a preservam de diferentes maneiras. Muitos dos valores dessa cultura foram preservados, por exemplo, por meio da música caipira, que não é sinônimo da música sertaneja universitária ostentativa, que se confunde com o cowboy americano. Este gênero musical sim é fruto da globalização e dos processos de massificação da cultura e vai de encontro com os valores do latifundiário, o que diverge da cultura caipira.

Foto: Mariana Kimura / Caipira Lab

A religiosidade de um catolicismo não institucionalizado e sincretizado é outro canal pelo qual a cultura caipira resistiu. O termo “não institucionalizado” vem de práticas que fogem à instituição da igreja católica e que não necessitam de um padre, ou qualquer outra figura institucional, para acontecer. Já o sincretismo é consequência da maneira como o catolicismo se alojou no Brasil profundo, misturando-se às religiões indígenas e de matriz africana. Essas práticas, como a rezas em devoção aos santos e as festividades, como a Folia de Reis, ainda acontecem atualmente, mesmo no espaço urbano.

Um último exemplo pelo qual a cultura caipira permeou, que é transversal aos outros, é a própria tradição oral, o contar e ouvir causos, o contar memórias, enfim, o adquirir e repassar conhecimentos acumulados por meio da oralidade. E em uma sociedade em que a escrita é mais valorizada do que o oral, manter a tradição da oralidade é um elemento de resistência.
Veja que os três exemplos citados são contrapontos, ou seja, são frentes de resistência dessa cultura. Ser caipira é resistir ao modelo de desenvolvimento proposto pelo agronegócio, é resistir ao modelo produtivo posto, à desvalorização da oralidade, é resistir identitariamente na música e na religião. Só diz que essa identidade e cultura acabaram quem não conhece sua força.

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