Foto: Mídia NINJA

E se ouvíssemos os jovens secundaristas?

Dois anos atrás vimos um dos mais intensos processos recentes de movimentação política da juventude brasileira. De forma espontânea, jovens de várias cidades do estado de São Paulo, seguindo exemplo dos estudantes chilenos, ocuparam suas escolas sem qualquer aparato externo e apenas um desejo: mantê-la aberta e com qualidade.

Foi surgir o anúncio da reorganização escolar, que estudantes de todas partes do estado iniciaram suas mobilizações. A princípio, era algo “tranquilo” pro Estado, que havia ignorado completamente as reivindicações dos docentes durante os 92 dias de greve que precederam as ocupações. O desprezo do governo – e até do movimento estudantil tradicional que, no primeiro momento, não se uniu aos protestos – teve vida curta: um grupo chamado “O Mal Educado” traduziu uma cartilha de estudantes chilenos e argentinos que dava dicas de como ocupar uma escola.

Assim, na noite do dia 9 de novembro de 2015, estudantes ocuparam a primeira unidade educacional: EE Diadema, na região metropolitana da capital paulista. Em seguida, vieram  a EE Fernão Dias Paes em Pinheiros e a EE Salvador Allende, na Zona Leste.

Surgindo de maneira espontânea, as ocupações não pararam mais. Foram mais de 220 escolas ocupadas em no estado de São Paulo, criando uma rede de solidariedade aos estudantes paulistas em outros estados e até em outros países.

As ocupações se tornaram, em pouco tempo, símbolo de resistência da juventude e também marca de uma insatisfação política que vinha se estendendo desde as jornadas de junho de 2013. Em novembro de 2015, mesmo com pouca experiência, os estudantes se organizaram em assembléias, comandos, comissões, espaços de democracia direta e derrubaram os muros da escola: transformam o espaço escolar em espaço da sociedade, para todos e todas.

Mas a infeliz herança repressiva de 2013 se fez presente nas lutas contra a reorganização escolar. Os dias de ocupações tiveram jovens torturados, agredidos, ameaçados e detidos. Muitos até hoje respondem por crimes que nunca  cometeram, devido a falta de preparo das polícias e a falta de diálogo do Estado, que chegou literalmente a declarar guerra contra os adolescentes. Ainda que fosse vista pelas forças repressivas do Estado, a publicização desta postura custou a Herman Voorwald o seu cargo de Secretário de Educação.

A estratégia da mídia conservadora e do governo do estado foi desmoralizar os estudantes: acusá-los, em um primeiro momento  ingênuos – como se não houvessem compreendido a reforma curricular como o desmonte que de fato era – até vândalos. Mas o discurso não se sustentava. Os estudantes que, segundo eles, não estavam “nem aí” para a escola, modificaram a forma de pensar o espaço escolar. Apoderaram-se dos processos pedagógicos ao organizar aulas públicas interdisciplinares, ao pensar programações culturais e esportivas, ao zelar pela limpeza do espaço e cozinhar para todos os que ali estavam.

Ninguém quer dormir no chão gelado de uma escola numa noite de 17ºC ou passar dias revezando entre spray de pimenta e gás lacrimogêneo logo pela manhã. Mas se esse é o preço a se pagar por uma escola pública da qual o estudante se sinta parte estrutural e estruturante; se esse é o preço por lutar por uma sociedade onde a juventude tenha voz, que seja.

É preciso ficar claro, no entanto, que, se o direito constitucional de lutar pela educação é tratado com este nível de repressão, estamos longe de viver em uma democracia.

Que possamos um dia abrir o caderno de política e não ver alguém propondo velhos métodos para consertar velhos erros, enquanto a juventude não passa de fantoche convocado a cada dois anos para votar. Democracia tem que ser mais do que eleição. Enquanto não for, as ruas serão lar daqueles que não se conformam com a educação jogada às traças como está.

Aqueles que pularam os muros, derrubaram um secretário de Educação de um dos maiores estados do país, conquistaram merenda pras escolas técnicas e instauraram uma CPI para responsabilizar quem desviou verba da nossa alimentação por anos. Estamos vivos e lutando.

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Marcelo Rocha, 20, é fotojornalista, estudante de Ciências Sociais, participou das ocupações em 2015 enquanto estudante da E.E. Maria Elena Colonia em Mauá/SP.

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