Romeo Clarke foi banido da escola por preferir vestidos às roupas masculinas. Foto: SWNS

Nem todo mundo já se dá conta, mas a legitimação cada vez mais evidente das orientações não-heterossexuais (gays, lésbicas, bis) traz transformações positivas inclusive pra quem seja hétero da forma mais tradicionalzona possível. Exemplo? Educar uma criança vai pouco a pouco começando a significar criá-la não mais para ter que ser e parecer hétero, o único jeito certo de existir, e sim para ela poder ir descobrindo quem é, para ela não precisar ter medo de descobrir quem é, não ter medo de descobrir como faz sentido viver.

Antes, ao contrário, criação implicava adestrar a criança para ela ter medo até de imaginar outra possibilidade, o que explica a vida que nos obrigam a passar no armário, as violências para nos forçarem a caber na norma, o adoecimento mental que daí advém, assim como a necessidade o tempo todo das pessoas (não importando como se entendam no íntimo) precisarem se afirmar heterossexuais se quiserem estar a salvo dessas violências.

Fiscalização implacável atingindo inclusive heterossexuais, cobrando inclusive de heterossexuais que o tempo todo afirmem, em todos os seus atos, sua orientação sexual. Como se fosse possível.

Medo, palavra chave. Criam-nos para o medo desde criança, criam-nos para o tempo inteiro nos perguntarmos se essa roupa não é meio gay/sapatão, que tamanho eu posso/devo deixar meu cabelo, se pode usar brinco sendo homem, ou pode não usar sendo mulher, de que músicas gostar, com quem posso trocar afetos, manter amizade, por quem sentir admiração etc., e, nisso, é como se estivessem dizendo que há um jeito certo de existir, único, e que o tempo todo você terá que reafirmar esse jeito ou correrá o risco de, independente do que tenha a dizer sobre si, te imaginarem desviada, transviada do caminho certo.

Independente do que tenha a dizer sobre si… percebem a violência? Parecer sendo mais do que suficiente, seja você hétero ou não. Pais e mães renegarem seus filhos e filhas desde crianças, mostrarem-se capazes das mais atrozes torturas ou, ainda, de lhes abandonarem à própria sorte, expulsarem de casa, e tudo isso por quê? Por não terem parecido suficientemente heterossexuais (“parecido” e não “sido”, uma vez que a gente só tem acesso ao parecer, nunca ao que a pessoa de fato é, como ela se entende).

A pessoa, sendo ou não sendo hétero, não mais precisar parecer hétero para estar segura, não mais precisar ter medo de compartilhar com família, amigos as dúvidas e angústias que tenha a respeito de si, a pessoa ter liberdade para ir descobrir, sem pressa nem pressão, de que forma a vida faz mais sentido, sem medo de violência, exclusão, sem medo de da noite pro dia ver-se por conta própria… tudo isso é liberdade e não apenas pra nós.

As pessoas vão percebendo que, para ser homem ou mulher, não é mais preciso ser hétero e, nisso, se dão conta também de que não é mais preciso criarem seus filhos e filhas para serem hétero. Pode-se criá-los para só serem, para descobrirem por conta própria o que são. Já dá pra perceber esse momento chegando ali na esquininha do futuro e eu fico aqui só de butuca esperando o próximo passo, quando descobrirem que genital não define gênero e entenderem que ser travesti e transexual é tão normal quanto não ser.

Conheça outros colunistas e suas opiniões!

FODA

Qual a relação entre a expressão de gênero e a violência no Carnaval?

Márcio Santilli

Guerras e polarização política bloqueiam avanços na conferência do clima

Colunista NINJA

Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

Márcio Santilli

Ponto de não retorno

Márcio Santilli

‘Caminho do meio’ para a demarcação de Terras Indígenas

NINJA

24 de Março na Argentina: Tristeza não tem fim

Renata Souza

Um março de lutas pelo clima e pela vida do povo negro

Marielle Ramires

Ecoturismo de Novo Airão ensina soluções possíveis para a economia da floresta em pé

Articulação Nacional de Agroecologia

Organizações de mulheres estimulam diversificação de cultivos

Dríade Aguiar

Não existe 'Duna B'

Movimento Sem Terra

O Caso Marielle e a contaminação das instituições do RJ

Andréia de Jesus

Feministas e Antirracistas: a voz da mulher negra periférica

André Menezes

Pega a visão: Um papo com Edi Rock, dos Racionais MC’s

FODA

A potência da Cannabis Medicinal no Sertão do Vale do São Francisco

Movimento Sem Terra

É problema de governo, camarada