Foto: Mídia NINJA

O carnaval é conhecido como época de se liberar sexualmente e de se despir de pudores e amarras que carregamos cotidianamente. É um período de excessos e de ruptura de proibições.

Mas, cada vez mais, a gente não espera o carnaval chegar pra ser vadia, no sentido ressignificado pela Marcha das Vadias: o de termos nossa sexualidade vivida plenamente, sem recalques e restrições impostas por uma cultura patriarcal, que condena e subjuga nossos corpos de mulheres.

E de outro lado, o carnaval há muito deixou de ser um período em que está liberado o vale-tudo. De ser a época em que recalcados e recalcadas colocam as garrinhas de fora e exorcizam suas neuroses a qualquer custo.

Vestir a fantasia, literal e simbolicamente, continua sendo uma delícia. Mas respeitar o corpo, a dignidade e a identidade des outres é a ordem do dia!

É claro que a gente quer ir pra folia, e muitos e muitas de nós quer beijar muito, abraçar muito, sensualizar muito e transar muito.

Mas vai ter também quem não queira fazer nada disso. Ou que simplesmente não queira fazer nada disso com você.

E com toda bebida (etcetera) que você tiver na cabeça, não tem desculpa: você vai ter que aprender a diferença entre quem está a fim e quem não está. E rápido.

Seguem então algumas regrinhas. E, na boa, a maioria é bem óbvia.

Não é não

Depois do não, é tudo assédio!

Amiguinho e amiguinha, não tem parte nenhuma de um NÃO que você não consiga entender. Não. A pessoa não está fazendo charminho. Não. A pessoa não está, no fundo, a fim de você. Não. Ela não está interessada.

Próxima ou próximo. A fila anda e é melhor você se mexer logo porque o carnaval só dura quatro dias.

Ser peguento é nojento

Puxar cabelo, puxar fantasia, encostar a garrafa de cerveja gelada nas costas: estudos científicos comprovam que em 100% dos casos em que homens usam essas técnicas de ~paquera~ eles têm 100% de fracasso. Até porque ser mala sem alça não é paquerar.

Logo, não faça. Incomoda e é agressivo. E você faz papel de perfeito babaca.

Coro “Beija! Beija!” é uó

Beija quem quiser, se quiser, com quem quiser.

Então aquele corinho “Beija! Beija!” usado para constranger as pessoas a beijarem outras pode ser uma grande intimidação.

Não cante. Não reforce.

Ao contrário. Se você ouvir um grupo puxando o coro, cante bem alto: “Se quiser! Se quiser!”

Não seja um estuprador

Se você pensou num carinha armado, apontando um revólver para cabeça de uma mulher para forçá-la à conjunção carnal, você está pensando em apenas um tipo de crime de estupro.

Preste atenção também nas outras condutas que configuram igualmente crime de estupro e não seja um estuprador.

O crime de estupro não requer necessariamente conjunção carnal (penetração). A prática de qualquer ato libidinoso (passar a mão nos seios, etc), mediante violência ou grave ameaça, configura também crime de estupro.

O mesmo vale para quem mantiver conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos de idade! O consentimento expresso de uma adolescente ou de um adolescente de 14 anos não tem valor legal: o que significa que transar ou ficar nas preliminares com menor de até 14 anos é estupro em todo e qualquer caso. Não adianta dizer, por exemplo, que não sabia da idade. A responsabilidade de saber a idade é do adulto, e não o contrário. E mais: esse crime é considerado estupro de vulnerável e a pena é mais alta: de oito a quinze anos de reclusão.

Não acabou. Se a mulher (ou homem), de qualquer idade, estiver inconsciente, inclusive em razão de consumo de bebidas ou de drogas, transar com ela ou ficar nas preliminares também vai ser considerado crime de estupro!

Então a regra é clara: só pode transar e sarrar com quem também quer e tem aptidão para expressar validamente seu consentimento!

OK? OK!

Beijo roubado

Se você leu com atenção o que está escrito acima, você entendeu que o beijo roubado também pode configurar crime de estupro.

Além do mais, beijo roubado é coisa de looser.

Beijo bom é o lambido, devolvido, recíproco e tesudo.

Se você está precisando roubar beijo, na boa, é melhor procurar terapia.

Você é gay?

Esse é pras minas e manas que sacam essa pérola quando um homem não quer ficar com elas.

Se você pergunta isso pra um carinha que não está a fim de você, por favor melhore.

Tem várias razões para alguém não querer ficar com a gente e a menos que tenhamos amizade e intimidade para querer saber o motivo, perguntar se o cara é gay é simplesmente machista. Ele pode ser gay. Ele pode estar a fim de outra. Ou você pode não fazer o tipo dele. O que importa?

Vá trabalhar sua autoestima e vale o conselho de antes: a fila anda. Seguramente há um outro alguém (ou muitos outros) para quem você é a tampa certa da panela.

Black face e apropriação cultural

Respeito é bom e a gente gosta. Respeito ao nosso corpo e também respeito à nossa identidade e à nossa cultura.

Então, pra quem ainda não entendeu (e tem gente que ainda não entendeu!), black face é racismo. Ra-cis-mo. Não tem nada de engraçado, satírico ou crítico em uma pessoa branca pintar o rosto de preto e se “fantasiar” de escravo, doméstica, negão da piroca, rapper, etc. Essas são manifestações ultrajantes e estigmatizantes que reforçam o papel subalternizado em que a população preta foi historicamente colocada.

Idem para “fantasias” de “Índios” [sic], Orixás, etc.

E antes que venham dizer: aí, que chato, vai querer regular o que podemos ou não vestir? Sim, é isso mesmo. Desde o início desse texto, é isso que está sendo reforçado: regras. Regras para que todas e todos brinquem com respeito.

Se a base do feminismo é a sororidade, sejamos empáticas e respeitosas com as pautas feministas negras e indígenas. Sororidade seletiva é contradição em termos.

E, vamos e venhamos, o que não falta é tema pra fantasia. Abre a imaginação e sai dessa opressão.

E bom carnaval!

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