Um dos grandes problemas do encarceramento do usuário como traficante é a falta de conhecimento.

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A matéria veiculada ontem no G1 mostra claramente como o tema ainda é pouco conhecido no Brasil, as repórteres acharam engraçado os nomes dados às genéticas, mas vale lembrar que tratam-se de nomes próprios, portanto não se traduzem.

A ignorância é tanta, que um catálogo de banco de sementes foi apresentado como “o cardápio do traficante”, talvez todo cultivador tenha um em casa. O fato é que são raros os casos de acusação de tráfico relacionada ao cultivo que tenham provas da mercantilização, geralmente possuem apenas suspeitas e indícios. O caso vale para quando uma balança é achada no mesmo local onde há um cultivo, não importa se a utilização dela fosse para outro motivo, aos olhos dos acusadores e infelizmente da defesa, assume-se a presunção da culpa.

A polícia tem muito pouco entendimento sobre o assunto, a justiça também, em muitos casos a própria defesa parte do princípio de que o acusado é culpado e sua função consiste apenas em amenizar a pena, vemos isso ocorrer com frequência na advocacia privada, a situação é mais preocupante na defensoria pública.

Por isso é certo de que para os mais pobres, um dos principais motivos para o encarceramento está na falta de acesso a uma defesa digna.

É muito comum após a prisão de um cultivador, o pré julgamento da sociedade, até mesmo por parte daqueles que lutam diariamente pela mudança do cenário atual rumo à uma legalização, basta uma suspeita para condená-lo como se o indivíduo devesse ser execrado de nossa sociedade. A desculpa é sempre a mesma, “mas ele vendia” dizem, e com isso a consciência arruma justificativa para a omissão diante da injustiça.

Para evitarmos prisões é preciso desvincular completamente a planta da criminalidade, as relações devem ser como as de qualquer outro vegetal. Se continuarmos criminalizando alguma conduta relacionada a maconha, certamente continuarão encarcerando indivíduos quando for conveniente, principalmente quando nossas leis dão margem a interpretações e prisões baseadas em suspeitas.

Algo que comprova o quão nossas leis são dúbias, é que no Brasil temos um cultivo com proteção da justiça para fornecimento de até 151 indivíduos, enquanto diversos cultivadores continuam sendo presos apenas pela suspeita do mesmo ato. Qualquer um com raciocínio lógico percebe o grau de esquizofrenia da justiça em nosso país, em um dia é noticiada a soltura do filho de uma desembargadora preso com 130 kg de maconha prensada, munição e envolvimento na fuga de um prisioneiro com emprego de violência e no outro vemos um cultivador sendo preso sem qualquer prova efetiva da venda ou vínculo com a violência.

É até compreensível o paradigma que vivemos, atualmente entendemos que o usuário não deva ser punido com privação de liberdade, mas condenamos qualquer conduta relacionada a venda, somos massacrados há mais de 50 anos com propagandas falaciosas anti-drogas, a condenação ao uso de entorpecentes está no nosso inconsciente, mas se queremos mudar o status quo com relação à maconha, devemos fazer um exercício diário para nos libertarmos do preconceito inerente ao uso e obtenção dela.

Devemos sempre nos questionar por que uma relação bilateral de livre inciativa, onde um indivíduo adulto fornece algo à outro não causando danos a terceiros deve ser considerada crime.

Não vou entrar no mérito da regulação ou do controle de qualidade, pois já existem leis para proteger o consumidor e definir regras para relação de consumo, mas está na hora de mudarmos essa ótica, pois o usuário de maconha não pode ser considerado incapaz imputando assim toda responsabilidade pelo consumo à quem a fornece. Só há oferta quando há demanda, ninguém vende algo que ninguém queira comprar.

Ainda que o objetivo seja criar um cenário canábico com foco no social e não no capital, jamais podemos permitir que uma relação de comum acordo entre dois adultos tenha que ser arbitrada pela polícia.

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