Foto: Antonio Augusto / Camara dos Deputados

Nesses últimos anos as atuações do deputado federal Glauber Braga no Congresso Nacional têm tomado notória relevância em virtude da eloquência com que costuma confrontar altas figuras do conservadorismo brasileiro. Durante o impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef chamou de “gangster” o então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Em 2017, durante a votação em plenário na Câmara por uma medida provisória que previa benefícios fiscais para as petrolíferas pelo valor de um trilhão de reais, o deputado do PSOL pediu para não retirarem das notas taquigráficas sua frase “Eu não sei quem vai votar a favor dessa matéria, mas eu tenho certeza de que aquele que votar ‘sim’ ou é um desavisado ou é ladrão”, e continuou: “E como eu considero que aqui tem poucos desavisados, vamos verificar a partir do momento em que sair o resultado da matéria, quantos ladrões têm aqui nesse plenário”. A sessão acabou com um parlamentar empurrando Glauber e vários pedindo a cassação do seu mandato. Mais recentemente Glauber bateu de frente com Eduardo Bolsonaro, Paulo Guedes e chegou a se tornar conhecido no país todo quando chamou o ministro Sergio Moro de “juiz ladrão”.

Recentemente foi partícipe e organizador de um “Seminário contra as privatizações e em defesa da Soberania”. Após o seminário, foi escrita uma carta da qual se destaca o seguinte parágrafo:

“As recentes experiências de privatizações no Brasil e no mundo mostram que a venda de estatais gera aumento no valor dos serviços prestados, desvalorização de seus trabalhadores e trabalhadoras, queda de qualidade do serviço e falta de interesse privado para que esses cheguem em locais mais distantes”.

Num momento em que o modelo chileno, ícone da simbologia neoliberal, se despedaça sob as revoltas de multitudinários e populares, o deputado Glauber junto a uns poucos colegas de Câmara tentam impedir a entrega do patrimônio estatal para o capital transnacional privado. Em entrevista exclusiva, ele esclareceu alguns pontos cruciais do seu trabalho como deputado federal:

Essa semana o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados votou contra a cassação do teu mandato. Como foi resolvida essa situação?

O PSL tinha entrado com uma solicitação de cassação do meu mandato. Eu apresentei duas teses jurídicas. Numa tese, argumento sob minha imunidade parlamentar como garantia democrática, e a outra tese sobre a exceção da verdade: quem fala verdade não merece punição. Fui impelido a comparecer no Conselho de Ética por ter chamado Moro de “juiz ladrão”, coisa que eu reafirmo e que se fosse o caso que eu tivesse mais tempo no Conselho de Ética, ia inclusive arrolar testemunhas porque eu reafirmo o dito na Comissão de Constituição e Justiça: “Sergio Moro é um juiz ladrão”.

E qual é a situação real de Moro hoje, além da sua controversa situação política?

Bolsonaro sustenta o Moro e Moro sustenta o Bolsonaro. Eles blindam os seus funcionários públicos, Bolsonaro faz particularmente isso com seus filhos. Moro, particularmente hoje controla a Polícia Federal, então ele não será investigado obviamente pela polícia que ele mesmo lidera. Onde você poderia ter uma investigação sendo levada à frente contra o Sergio Moro, por exemplo? Em uma Comissão Parlamentar de Inquérito como a que aconteceu com os deputados neste ano. Se faria um reunião de assinaturas nessa CPI entre a Câmara e o Senado.

Mas aí aparece a figura do Rodrigo Maia (atual presidente da Câmara dos Deputados), quem segura qualquer iniciativa para ela não entrar em funcionamento. E por que acontece isto? Por que essa blindagem? Porque para Rodrigo Maia é funcional ter o Sergio Moro como um aliado, impedindo assim uma possível futura investigação sobre sua pessoa. Se dá assim um tipo de relação de chantagem mútua entre o Maia e o Moro que permite essa impunidade que ele tem atualmente. Nesse momento poderíamos dizer que o Moro está blindado.

Como enxergas as brigas entre a bancada bolsonarista dentro da Câmara? O que poderíamos ponderar sobre isso?

Quando acabaram as eleições e o resultado foi tão negativo, eu pensei que ia encontrar na Câmara uma extrema direita violenta, organizada, e com densidade política. Mas, quando cheguei lá vi uma coisa bem diferente disso. A bancada parlamentar do PSL não tem consistência política nenhuma, nem como direita mesmo. Simplesmente se elegeram detrás da onda bolsonarista. Isso faz com que o tempo inteiro ele briguem por espaços de poder. Seja pelo fundo partidário, seja por não perder protagonismo em relação ao governo.

Mas eu acho que a gente tem que ter uma preocupação. É verdade que quanto mais a base bolsonarista brigar, melhor será para o Brasil, melhor será para todos, porque eles terão mais dificuldades para uma implementação plena do seu programa, que é um programa contra o Brasil e contra o povo. Temos que ter muito cuidado para que a briga bolsonarista não atue como uma cortina de fumaça e permita que a direita se movimente mais livremente para entregar o patrimônio nacional, e fazer as reformas necessárias, como a reforma da previdência. Objetivamente, hoje temos que combater o bolsonarismo, mas temos que combater também essa direita que está produzindo as condições para o desmonte do estado e que tem como principal articulador o Rodrigo Maia, que é o presidente da câmara de deputados.

Poderíamos pensar que a Lava Jato serviu de instrumento politico para que hoje a opinião pública seja favorável ao esquema de privatizações impulsionado por Paulo Guedes?

Totalmente. A Lava Jato foi utilizada como um instrumento para a aplicação de um programa político. Desmoralizaram o Estado, como garantidor dos direitos sociais, junto às estatais que cumpriam a função de garantir o desenvolvimento soberano, o desenvolvimento próprio. E ai, você diz, para esse estado desmoralizado, só tem uma solução, que é entregá-lo para o setor privado.

O Brasil está no meio de uma guerra internacional, uma disputa comercial fortíssima, que tem ainda a maior potência do mundo que são os Estados Unidos da América em disputa franca com a outra potência que é a China. E os Estados Unidos procuram robustecer sua influência, principalmente na América Latina. E na América Latina, por quê? Entre outras coisas porque aqui tem muito petróleo. O Brasil tem o pré-sal, a 15a maior reserva de petróleo do mundo, do lado da Venezuela, que é a maior potência de petróleo do planeta. Então essa região será do interesse do governo de Donald Trump e de quem estiver no governo da Casa Branca, inegavelmente.

A Lava Jato foi utilizada como um instrumento para a aplicação de um programa político.

Antigamente você fazia o quê? Você movimentava tropas para fazer com que seus interesses prevaleçam. Hoje você movimenta, em cada país, o Ministério Público. E você faz com que parte de mídia dê influência a esses personagens de dentro. Com isso você gera as condições para justificar a implementação de um programa econômico ultraliberal, não tenho a menor dúvida disso.

Você está acompanhando o que acontece nos outros países do continente? Equador com a perseguição a Rafael Correia, Peru com Humala, Argentina com Kirchner, Paraguai com Lugo? Poderíamos falar de uma estratégia concreta para instaurar o modelo neoliberal, perseguir líderes políticos do campo popular?

Entre 2015 e 2019 eu fiz uma rodada por três países da América do Sul. E o discurso se repetia. Os três países eram ainda governados por governos do campo popular, e o discurso para deslegitimar esses governos era o mesmo: corrupção, junto à desmoralização da figura do Estado, para justificar o empoderamento de um adversário moralista que aparecia como aquele que ia acabar com a corrupção. Só que “coincidentemente” (entre aspas) esse adversário moralista era alinhado com os interesses de Washington. É como se movimenta hoje a agenda neoliberal, se valendo de estratagemas através do acionar do judiciário e do Ministério Público.

E o que a gente está vendo a partir dos casos da Argentina, do Chile e do Equador é que a agenda neoliberal gera uma enorme insatisfação popular. Porque gera aumento de tarifa, ampliação da pobreza e desemprego. E aí, os que têm o controle de todos os dispositivos do Estado não esperam que vai acontecer uma sublevação, uma insubordinação do povo. Lenin Moreno um dia estava dormindo tranquilo e no outro teve que sair correndo para Guayaquil. No Chile o mesmo, o senhor Piñera um dia pensou que ia aumentar as tarifas do transporte público e que mesmo assim nada ia acontecer. Mas o povo reage. Macri, a mesma coisa. Se apresenta como aquele que ia salvar da corrupção a Argentina, logo ele aplica um programa neoliberal, amplia-se a pobreza, amplia-se o desemprego. O emprego esperado e prometido não vem. As pessoas sentem o peso desmedido dessas políticas neoliberais e o que acontece? Ele perde as eleições.

Essa é também uma lógica importante. Ou seja, a implementação do método para a desmoralização do Estado implica a abertura ilimitada da atividade privada, mas isto não dá conta de atender as demandas e necessidades básicas das pessoas, que no final, se levantam contra esses métodos elementares das políticas neoliberais.

Não seria um perigo para existência mesma da Petrobras que ela seja privatizada e que um dos potenciais compradores de parte da sua estrutura seja a Shell, uma concorrente da mesma? Não poderíamos pensar que uma empresa como a Shell poderia comprar a Petrobrás com o único propósito de desmantelá-la para tirá-la do mercado como sua concorrente? 

Claro. Poderíamos falar da energia elétrica também. A gente tem a Eletrobrás que administra 30% da energia elétrica no Brasil. O Bolsonaro fez discurso durante a campanha dizendo que não ia privatizar a Eletrobrás porque ela é uma empresa estratégica. Aí na lei recente que propõe 17 estatais a serem privatizadas, se inclui a Eletrobrás. Pergunte quem são os interessados nela. Pergunte ao governo dos Estados Unidos se eles entregam para o setor privado o conjunto do seu sistema elétrico. Coisa nenhuma. Lá, mais de 70% das hidrelétricas são controladas pelas Forças Armadas americanas. Pergunte para os chineses. Os chineses tem o controle de 100% do seu sistema de energia elétrica. O problema é que quem controla o preço da energia elétrica acaba por controlar o preço dos produtos, e quem controla os preços dos produtos controla o preço do mercado. Isso é óbvio.

E acontece a mesma coisa em relação ao setor do petróleo. Entregam aquilo que custou muito suor de brasileiros e brasileiras para o desenvolvimento de tecnologias, para impedir que o Brasil tenha sustentação na competição com as multinacionais de petróleo que estão aí pelo mundo, mas que são muito poucas e são as que controlam o movimento de petróleo no mundo inteiro. Aí, o Paulo Guedes vem dizer o seguinte: Nós queremos economizar com a Reforma da Previdência um trilhão de reais, só que o que ele não fala é que a Câmara dos Deputados acaba de aprovar uma renúncia fiscal por um trilhão de reais para as multinacionais do petróleo, o mesmo valor que ele diz que precisa economizar com a Reforma da Previdência.

Mas, respondendo objetivamente a sua pergunta, eu não tenho dúvidas de que quanto menos a nossa Petrobrás fica fortalecida, mas você tem os interesses das multinacionais como a Shell garantidos. O país não gostaria de ter o controle do desenvolvimento de tecnologia a partir da exploração do seus recursos naturais. Mas, você tem agora o Brasil que decidiu fazer a exploração do solo e enviar o petróleo para ser refinado no exterior, e dai você tem que comprar de volta um óleo que poderia estar sendo refinado aqui. Ou seja, é o cúmulo do absurdo.

Mas, o que pode acontecer aqui é um movimento de revolta contra as políticas neoliberais, como está acontecendo na América Latina. Não é à toa que está tendo um movimento de reestatização em todos esses países, já que é a única forma de preservar uma qualidade digna dos serviços essenciais à vida das pessoas.

E qual é o argumento de Paulo Guedes e Bolsonaro para levar em frente esse plano tão cobiçoso de privatizações?

Os argumentos deles são: 1) A desmoralização do Estado. Tudo o que é estatal não presta, por isso a saída é a privatização. 2) O Estado é corrupto. E como o Estado é corrupto vamos entregar essas empresas do Estado para a iniciativa privada. Como se  a iniciativa privada estivesse extinta de corrupção. Como se as multinacionais do petróleo não estivessem se movimentando por interesses corruptos, causando guerras nos quatro cantos do planeta para fazer que seus interesses prevaleçam.

Terceiro argumento é: precisamos utilizar esse dinheiro das privatizações para reduzir a relação entre dívida pública e PIB. Só que a relação entre dívida pública e PIB tem se ampliado exponencialmente com a aplicação de políticas económicas neoliberais. A partir de 2015, com a assunção de Joaquim Levy como ministro da Fazenda, logo com Henrique Meirelles, durante o governo de Michel Temer, e agora com Paulo Guedes, se reduziu o investimento público conduzido pelo Estado, ampliando a relação entre PIB e dívida pública porque a falta de investimento reduz a potência do seu circuito econômico.

E um outro argumento é que com uma rodada de privatizações você consegue ampliar o investimento estrangeiro, dando demonstrações de que você tem uma verdadeira economia de mercado. E que, como consequência disso, por uma espécie de golpe mágico de confiança, você passaria a ter uma rodada de investimentos privados, nacionais e estrangeiros na economia do Brasil. Mas, o caso da Argentina, com o Mauricio Macri, é uma prova inegável de que não é tão assim como a banda toca. O Macri deu todos os sinais para atrair a confiança do investimento privado transnacional (seguindo a retórica neoliberal que oferece como uma forma infalível) e ainda hoje os investimentos não chegaram. Porque uma coisa que não falam os neoliberais é que o que aumenta a capacidade de compra das pessoas e o que gera emprego é o fortalecimento do mercado interno, onde você tenha especificamente pessoas com a possibilidade de comprar.

No Brasil, pelos últimos dados que a gente tem, você tem uma capacidade ociosa da indústria de aproximadamente uns 30%. Você vai conseguir sair dessa capacidade ociosa da indústria e ampliar sua capacidade econômica quando as pessoas tiverem capacidade de comprar. Se as pessoas têm a possibilidade de comprar mais produtos, mais alimentos, obviamente o empresário vai poder produzir mais. Se as pessoas não têm dinheiro para comprar, a economia implode e os empresários não têm a quem vender suas produções. É aí que se expressa a utilidade do investimento público, no momento em que, por diferentes vias, coloca-se dinheiro na mãos das pessoas e as torna, assim, consumidores que criam uma demanda de produtos que as indústrias fornecem.

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