Glenn Greenwald em sessão no Congresso Nacional. Foto: Mídia NINJA

Entrevista de Glenn Greenwald a Juan Manuel Domínguez
Transcrição: Gustavo Conde

O Brasil tem o privilégio de contar entre seu repertório de jornalistas atuantes com Glenn Greenwald, ganhador de um Pulitzer e um dos jornalistas mais influentes, em sentido global, desse momento. Nessa primeira semana de setembro foi convidado para realizar uma entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura. Grande parte dos que assistimos ao programa ficamos abalados ante tamanha falta de responsabilidade e profissionalismo. Como dito por Mauricio Stycer, do UOL, “a entrevista de Glenn Greenwald no Roda Viva nesta segunda-feira (02) foi muito frustrante para quem tinha interesse em entender melhor o impacto e os desdobramentos do furo de reportagem do site The Intercept Brasil. O programa rumou em outra direção, mais técnica, sobre os bastidores da série que ficou conhecida como Vaza Jato”.

Esses questionamentos técnicos, éticos e quase morais que Glenn teve que rebater deixaram a sensação da entrevista ser bastante hipócrita. Muitos desses jornalistas que pertencem ao jornalismo corporativo e hegemônico nunca questionam sobre o papel mesquinho e o modus operandi que favorece os interesses de elites e coloca a população contra setores vulneráveis e marginalizados.

Outro grande questionamento a essa entrevista é a precariedade das temáticas tratadas. O que também acredito que é uma discussão necessária para se fazer dentro do jornalismo: essa necessidade de moldar a linha editorial ao mainstream do momento e não tentar abrir-se para outros temas e ampliar, assim, a informação que colocamos à disposição do público consumidor.

Decidi então aproveitar essa oportunidade para me aprofundar nessa figura tão importante, divisora de águas aqui no Brasil, e conhecer sobre suas influencias, sua visão sobre jornalismo, sua amizade com a Marielle Franco e para ler um pouco de geopolítica. Confira a entrevista na íntegra:

Grande parte do jornalismo considerado independente se sentiu um pouco insatisfeito com a entrevista que a Roda Viva fez com você. Qual é sua avaliação disto?

Foi interessante porque jornalisticamente eu sou uma pessoa que faz uma crítica muito feroz, muito dura da mídia, não só aqui, mas também nos EUA, no Reino Unido. Muitas vezes, durante a reportagem do Snowden, eu denunciei fortemente as entrevistas que jornalistas fizeram comigo.

Mas para ser totalmente honesto, depois dessa entrevista no Roda Viva, minha reação não era tão crítica. Obviamente, eu preferiria que nós conseguíssemos discutir mais as revelações que nós estamos reportando e o conteúdo das denúncias que estamos fazendo. Mas, por outro lado, acho que tem muitas pessoas que já conhecem as denúncias. Eu também tive muita oportunidade de discutir as revelações.

É a mesma coisa no caso do Snowden: eu sempre achei que uma grande parte do trabalho que estávamos fazendo não era só sobre as revelações jornalísticas de espionagem e privacidade – e também no caso de Sergio Moro e a Força Tarefa da Lava Jato – mas questões um pouco maiores do que isso.

Por exemplo, o que é uma imprensa livre e como os jornalistas funcionam numa democracia e qual o papel desses jornalistas, quais são as obrigações e os direitos dos jornalistas e qual é a diferença entre a grande mídia no Brasil e os jornalistas independentes.

E esse debate que nós conseguimos discutir muito tempo no Roda Viva, para ser honesto, acho que é bem importante. Eu estava muito feliz com a oportunidade em discutir isso e responder para as críticas que pessoas estavam fazendo nos últimos 3 meses. Então, eu não estava tão zangado como a internet com as pessoas que estavam me entrevistando, mas eu entendo perfeitamente as críticas também.

No ano de 2008, o presidente Lula anuncia a exploração do Pré-Sal. Segundo ele, essa descoberta permitia ao Brasil estabelecer um diálogo de igual a igual com as nações mais importantes do mundo. Curiosamente nesse mesmo ano, os Estados Unidos reativam a Quarta Frota, ou Fourth Fleet, encarregada de vigiar os mares do Caribe e da América do Sul. Essa frota tinha sido dissolvida em 1950, após a finalização da Segunda Guerra Mundial. Lula reage fazendo um acordo com a França (com Sarkozy) para a construção em parceria de um submarino nuclear que vai ser o encarregado de proteger as riquezas recentemente descobertas. Uma das empresas encarregadas da construção desse submarino é a Odebrecht. Em 2013, você vai denunciar, junto a John Snowden, a espionagem que o governo dos Estados Unidos fazia do governo da Dilma e do particular interesse que eles tinham na Petrobrás. Nesse mesmo ano se iniciam os protestos massivos no Brasil, organizados na sua maioria por grupos com discurso neoliberal, e logo sairia à luz a operação “Lava Jato” que conseguiu, entre outras coisas: desprestigiar a Petrobrás e a Odebrecht e criminalizar o Partido dos Trabalhadores e as políticas protecionistas. Hoje, o Bolsonaro parece ter o capital político suficiente para finalmente entregar o Pré-Sal para a exploração privada. Com a reportagem “Vaza Jato”, você tem informação suficiente para fazer essa ligação entre a operação Lava-Jato e a descoberta do Pré-Sal em 2006?

Primeiramente, só como uma regra mais ou menos absoluta, eu não posso discutir ou falar mais sobre o conteúdo no arquivo que ainda não reportamos ou divulgamos porque, muitas vezes, isso não é responsável. A gente pode errar muito facilmente se falamos sobre um conteúdo que ainda não passou pelo processo jornalístico e editorial.

Mas eu vou falar o seguinte: eu entrevistei a ex-presidente Dilma em 2016, a primeira entrevista depois que a Câmara votou a favor do impeachment dela. Eu perguntei a ela exatamente isso, se ela achou que foi os EUA que estavam planejando o impeachment. Ela me disse que não achava isso, ela achava que a causa principal era a doméstica, que são “desenhadas” pelos inimigos domésticos do Partido dos Trabalhadores.

Mas também não existe alguma coisa que aconteça dentro de um país como o Brasil nesta região sem, pelo menos, o conhecimento e a aprovação dos EUA. Por exemplo, o golpe em 1964 foi construído sim, foi desenhado sim, foi implementado sim pelos EUA.

Eu acho que, sinceramente, o PT, o presidente Lula e a presidente Dilma não incomodaram tanto o governo dos EUA durante o governo Obama como o governo em 1964 estava incomodando o governo dos EUA. Mas, obviamente, o governo dos EUA sempre prefere partidos à direita que vão ser mais “capitalistas”, que vão fazer menos pelos pobres do país, que vão fazer mais pelos mercados internacionais, financeiros internacionais.

Então, eu acho que, se os EUA não lideraram o impeachment de Dilma, com certeza eles tinham conhecimento, aprovaram e deram o sinal verde para sua execução.

Nós conseguimos revelar naquela época, por exemplo, que lideres do PSDB no Senado estavam viajando para os EUA durante a votação, obviamente para discutir isso.

Então, é a mesma coisa com a Lava Jato. Eu não acho que os EUA eram líder do processo da Lava Jato, mas com certeza estavam envolvidos. Obviamente, nós sabemos, como você disse, que eles tinham muito interesse na Petrobras. Eles negociaram muito com Deltan Dallagnol e os procuradores da Lava Jato sobre como eles poderiam receber bilhões de reais da Odebrecht, da Petrobras, que é o dinheiro do povo brasileiro. Portanto, acho que tem muito envolvimento dos EUA em quase tudo de importância que acontece aqui no Brasil.

A reportagem Vaza Jato abriu a porta para uma grande polêmica sobre ética jornalística, embora pareça que o problema real é que a reportagem incomoda os interesses de um establishment do jornalismo e de um setor particular da sociedade brasileira. Como você avalia essa agitação?

Na realidade, esse debate sobre ética jornalística não me interessa muito porque acho que não é um debate. Para qualquer jornalista de verdade, essa questão de que ‘quando você é um jornalista e você recebe informação que é obviamente relevante para assuntos públicos sobre políticos poderosos e você sabe que essa informação é autêntica e genuína’, essa questão não existe, a saber, se nós devemos divulgar, revelar e denunciar essa informação ou não.

Não existe um debate assim para jornalistas. O papel dos jornalistas é muito simples: é revelar, divulgar e publicar informação do interesse público independentemente de como o repórter conseguiu receber essa informação.

Obviamente, o jornalista não tem o direito de cometer um crime. Para obter informação, eu não tenho o direito, por exemplo, de invadir escritório do Sergio Moro ou grampear as conversas do Deltan Dallagnol sem permissão. Isso é um crime para mim como para qualquer outro cidadão. Obviamente, eu não fiz nada assim, ninguém acha que eu tenha feito alguma coisa assim.

Mas quando eu recebo informação de interesse público, independentemente de como a fonte obteve essa informação, na forma lícita ou cometendo um crime, não tem importância nenhuma, é uma obrigação de publicar todas as informações até o final exatamente como eu estou fazendo.

Para ser honesto, eu não consigo acreditar que um debate exista entre jornalistas sobre essa questão. Eu não entendo como a gente pode chamar a si mesmo de jornalista e depois questionar se um jornalista deveria publicar informação de interesse público. Para mim, é como ser médico e questionar um outro médico: ‘por que você está tratando essa pessoa doente?’.

A resposta é óbvia: é porque médicos tratam pessoas doentes. Para mim é a mesma coisa. Quando um jornalista me pergunta ‘como você pôde publicar?’, minha resposta é ‘como você não pôde publicar?’. Estou publicando porque isso é jornalismo e jornalistas publicam, simplesmente isso.

Sim, parece que na real o que incomoda é a visibilidade de outras mídias que não pertencem ao establishment do jornalismo.

É exatamente isso. Você pode olhar, por exemplo, para o programa Roda Viva ou para outros jornalistas criticando o programa por isso. Ora, eu acho que isso é muito benéfico, acho que é a diferença entre nós e a grande mídia, a velha mídia é a mentalidade deles. Essa diferença é muito grande e deve ser mostrada. É exatamente isso que eu quero fazer e por causa disso eu gostei muito daquele programa.

Em 2013, durante uma onda de protestos, aparece no cenário jornalístico a Mídia Ninja, que deu voz aos manifestantes, fez uma cobertura ao vivo inédita e quebrou o paradigma de estigmatização dos reclames populares. Você acha que isto contribuiu de alguma forma na democratização da formação de opinião publica?

É importante lembrar que quando a internet foi criada ou, pelo menos, quando ela se tornou popular na sociedade, e talvez eu tenha idade para lembrar disso e alguns de vocês não… Hoje não tem mais pessoas tão empolgadas, tão animadas com a internet porque a principal promessa era que a internet iria eliminar a necessidade de se ter a grande mídia controlada por grandes empresas para comunicar com outros cidadão e vai ser muito mais fácil para disseminar ideias para comunicar com nossos cidadãos e vizinhos para organizar sem necessidade de ter uma equipe muito grande, muita cara, e eu acho que finalmente isso está acontecendo.

Na realidade, está acontecendo mais devagar, mais lentamente aqui no Brasil do que em outros países como, por exemplo, os EUA e também na Europa, porque a desigualdade aqui no Brasil está impedindo o crescimento da mídia independente.

Nos EUA e na Europa, é muito mais fácil para ser financiado mesmo como mídia independente. Então, tem muito mais veículos independentes lá do que aqui no Brasil, onde infelizmente o Globo, a Veja e o Estadão ainda têm muito poder.

Mas eu acho que tudo está mudando. A Mídia Ninja conseguiu construir uma audiência muito forte, tem um impacto grande. Então, agora, quando temos um protesto político, não estamos só vendo “uma pessoa” que a Globo quer mostrar iniciando um tumulto, usando violência, para desacreditar o protesto.

Nós podemos ver o protesto na realidade, pessoas com reclamações válidas, trabalhadores que foram maltratados. Então, essa informação que anos atrás foi quase censurada, a gente nunca ouviu e agora todo mundo está ouvindo por causa de sites como Mídia Ninja.

A minha perspectiva mudou muito durante o debate do impeachment de Dilma quando fiquei chocado com o fato de ver a grande mídia quase sem pluralidade de opinião, quase sem dissidência. A dissidência foi quase totalmente proibida, havia uma unanimidade a favor do impeachment de Dilma. E, na verdade, tratava-se de um debate importante para a democracia, se um presidente eleito deve ser removido ou não.

Lá fora havia o processo democrático mas aqui a mídia brasileira não permitiu o debate. Isso foi uma grande razão para criar o The Intercept Brasil.

Então eu acho que o The Intercept Brasil, a Mídia Ninja e os blogs independentes na esquerda estão ajudando muito a qualidade do debate e o acesso à informação aqui no Brasil.

Noam Chomsky e Michael Moore permanentemente denunciam como o jornalismo americano é responsável pelo sentimento de belicismo, a xenofobia e, em alguns casos, pela aparição de atiradores contra civis. Pensa de forma parecida?

A pessoa que me influenciou sobre minhas opiniões políticas, sobre mídia, era Noam Chomsky. Eu jantei com ele 5 ou 6 dias atrás em São Paulo porque a mulher dele é brasileira, ele está ficando aqui no Brasil muito tempo e estamos sempre discutindo exatamente isso.

Antes de me tornar jornalista eu era advogado e eu decidi ser jornalista ou, pelo menos, escrever sobre política, em 2001, durante a guerra ao terror do governo Bush, que ainda está continuando inacreditavelmente 18 anos depois. Eu comecei a atuar nesse campo exatamente porque a mídia americana não estava permitindo outras opiniões.

Para a televisão americana, foi uma obrigação apoiar a Guerra, e aplaudir todas as coisas que o governo norte-americano estava fazendo. Foi uma “obrigação” ter a opinião de que os EUA eram o maior país no mundo livre, no mundo democrático, e que tentava levar democracia e liberdade [para o mundo]. Toda essa propaganda, a gente tinha que afirmar se a gente quisesse ter acesso, colocar nossa voz, à televisão.

Então foi [um jornalismo] totalmente fechado. Ainda hoje é ruim assim, mas eu acho que a internet mudou isso de uma forma muito significativa e, por exemplo, agora é possível ter um candidato presidencial como Bernie Sanders que é abertamente um socialista e que agora está denunciando todas essas políticas dos EUA sobre Guerra, e ele tem uma chance real de ganhar as eleições. Dez anos atrás isso seria impensável.

E você também está vendo novos políticos como Alexandria Ocaso-Cortez e outras mulheres que são chamadas de socialistas sem problema nenhum e que estão com muita influência. Acho que isso é quase que totalmente por causa da internet e jornalismo independente.

Então, para mim, alguém que tecnicamente é um cidadão dos EUA – mas que no meu coração e na minha vida o Brasil é o meu lar – isso é uma prioridade grande: mudar o jornalismo aqui para mostrar a corrupção, como esses temas do jornalismo aqui no Brasil estão totalmente truncados e criar outra mentalidade de como o jornalismo deve funcionar. Talvez, por causa disso estava feliz com essa oportunidade que o Roda Viva me deu “sem querer”.

Você é morador de Rio de Janeiro e foi um grande amigo da Marielle Franco. Gostaria ter algumas palavras de você sobre ela e sobre o atual governador Wilson Witzel.

O assassinato de Marielle é uma coisa me influencia de uma maneira muito forte. Eu me lembro como se fosse ontem, naquela noite, 22h15 mais ou menos, quando meu marido estava em casa e recebeu essa ligação. Ele começou a gritar e chorar sem parar durante 10 minutos, não conseguiu me falar o que tinha acontecido porque ele não conseguia parar de chorar. Finalmente, ele conseguiu me falar o que tinha acontecido.

Ela era uma das nossas melhores amigas mas, além disso, era uma pessoa muito inspiradora pessoalmente. Quando eu penso sobre o futuro deste país, dessa cidade, para os meus filhos, eu pensei muito sobre Marielle.

E o fato é que até agora não sabemos quem mandou matar ela, e a mulher dela continua a ser nossa melhor amiga. Discutimos muito esse fato. E eu lembro muito bem naquela eleição, na noite da eleição de 2018, estava com Mônica, mulher de Marielle, quando foi anunciado que Bolsonaro ganhou, mas também que Witzel ganhou, que também esse cretino, esse monstro que quebrou a placa da Marielle do PSL foi o candidato mais votado para a Alerj. Nós percebemos naquele minuto que tudo mudou neste país.

Mas por outro lado, olha o que está acontecendo. Tem três mulheres negras que vêm da favela que trabalhavam no gabinete de Marielle que estão ocupando a Alerj com muita coragem. Tem muitas pessoas resistindo ao governo do Bolsonaro com esse espírito que Marielle ensinou e que passou para muitas pessoas que antes disso não tinham voz.

E assim podemos ver as duas diferenças, os dois extremos de Marielle, que era uma defesa antes de tudo de direitos humanos. Não era só um caso de feminismo, um caso de negros, um caso de LGBT. Ela era uma defensora de direitos humanos, ponto. Tudo vem depois disso. Esse era o princípio fundamental dela.

E agora tem um governador, Wilson Witzel, que é muito mais inteligente que Jair Bolsonaro, muito mais capaz politicamente, que é exatamente o oposto: ele e o inimigo absoluto dos direitos humanos. Ele não acredita nessa ideia, ele não finge para que se dê crédito a ele. Lembra quando tinha pessoas inocentes que foram mortas na favela há duas semanas atrás? Ele culpou os defensores dos direitos humanos.

Então, para mim, esses dois extremos, Marielle Franco e Wilson Witzel representam as duas escolas, os dois caminhos que o Brasil tem pela frente. Ainda não sabemos qual caminho esse país vai escolher. Essa questão ainda não está resolvida.

E, para mim, todo o trabalho que estou fazendo como jornalista, como cidadão, como comentarista, como alguém envolvido na carreira do meu marido, deputado federal pelo Psol, trata apenas disso: qual caminho o Brasil vai escolher? O caminho de Marielle Franco, com igualdade e direitos protegidos e garantidos ou caminho de Wilson Witzel, do fascismo, do autoritarismo, do desrespeito pelos direitos humanos, pelas minorias, pelos pobres? É exatamente isso que esse país está enfrentando agora.

O Steve Bannon, que deu assessoria ao Bolsonaro durante a campanha de 2018, já foi denunciado como alguém que usa a manipulação de dados privados obtidos de forma ilegal para a criação de fake news e para criar estratégias de campanha para candidatos de direita e extrema direita. Considerando o perigo que o mundo vê, a volta da Cristina Kirchner ao governo, você acha que ele vai atuar nessas próximas eleições no pais vizinho?

Acho que esse Bannon é muito explícito sobre essa intenção. Na realidade, ele tem um protocolo muito perigoso. Trump usou essa estratégia durante a campanha e provavelmente ganhou por causa disso, mas depois que ele ganhou, não quis mais trabalhar com Steve Bannon, porque a filha de Trump… o marido dela, que tem muita influência no governo, não gostava de Bannon e forçou para que ele saísse.

Eu acho que isso é uma coisa muito boa porque se Trump seguisse a estratégia de Steve Bannon, provavelmente este teria uma posição muito mais forte, porque a estratégia de Steve Bannon é a seguinte: ser muito nacionalista – sempre fala como Trump: “ah, vamos deixar os EUA grande de novo e vamos botar os EUA no primeiro lugar contra todos os outros países”.

E também o Jair Bolsonaro, obviamente, copiou isso falando “Brasil acima de todos”. É a mesma coisa. E, ao mesmo tempo, falando que nosso país é o primeiro, que todos os outros países são inferiores ou vêm depois, prometendo melhorar a vida dos trabalhadores contra o establishment, contra a elite.

É essa ideologia que está contaminando, machucando e prejudicando milhões de pessoas em vários países. O neoliberalismo que infelizmente prevaleceu aqui no Brasil, também nos EUA, Reino Unido, Argentina, está criando esse espaço para essa narrativa: de que todo o sofrimento na sua vida é causado pela elite política, o establishment, o sistema político. Então, a única solução ‘é fechar nosso país, botar nosso país no primeiro lugar e declarar uma guerra contra os ricos, a oligarquia, a elite, globalistas, em favor dos trabalhadores, em favor dos pobres’.

É claro que isso não é genuíno, mas como uma estratégia política é muito forte. Eu acho que até agora a esquerda atual tem grandes dificuldades para se comunicar com os pobres trabalhadores, a esquerda está bem limitada para pessoas com muita educação formal, para os bairros ricos… Tudo isso, exatamente como Lula conseguiu, agora a esquerda não consegue.

Por causa disso, ela ainda não tem uma estratégia para ganhar esse embate e Steve Bannon sabe disso. Ele está levando essa estratégia para o mundo todo para criar uma aliança na extrema direita.

Obviamente, há conexões muito fortes entre a família Trump e a família Bolsonaro… É exatamente isso… E vai acontecer na Argentina também.

Na Argentina, a direita perdeu, porque é muito mais fácil fazer isso quando você está fora do poder do que quando você está no poder. Estamos vendo isso muito bem agora com o momento do Bolsonaro. Quando ele estava fora do poder, foi muito fácil unir o ódio contra o PT, ‘todo mundo odeia o Lula’, ‘odeia o PT’, ‘fora, Dilma’, isso era muito fácil.

Mas, agora que eles têm o poder, o que está acontecendo? Tem uma guerra civil entre todas as facções que se odeiam, mais do que eles odeiam a esquerda.

Isso [a estratégia de Bannon] é uma estratégia não para governar, mas para ganhar eleições e, com certeza, eles vão tentar fazer isso na Argentina para ganhar essa eleição, mas acho que o problema é que a direta já está governando a Argentina nos últimos quatro anos e é muito mais difícil fazer adotar essa tática quando as pessoas podem ver os resultados e a diferença grande entre esses resultados e o que eles prometeram fazer.

O governo de direita de Mauricio Macri fez várias intervenções nas mídias e se encarregou de que vários jornalistas dissidentes ao discurso oficial fossem demitidos. Jornalistas que têm uma linha editorial parecida ao do The Intercept. Qual é tua reflexão sobre isto?

Acho que estamos vendo isso um pouco aqui no Brasil, com vários jornalistas sendo demitidos, sendo pressionados para ser demitidos em função de criticarem o governo Bolsonaro e com certeza isso vai continuar. Essa é uma mentalidade de caráter autoritário, punir pessoas que estão criticando. Em função disso, a primeira reação de Sergio Moro e Bolsonaro diante da nossa reportagem [a Vaza Jato] foi nos ameaçar com prisão, com investigações. Primeiro, eles tentaram fazer isso contra mim. Agora, eles estão tentando fazer isso contra o meu marido, e ainda me ameaçando com prisão. Isso é exatamente como autoritários no mundo todo pensam.

E, na Argentina, foi muito severo. Depois de 4 anos, tem muitos jornalistas que sofreram por causa disso e com certeza eu acho que isso vai acontecer no Brasil.

Eu lembro, no último discurso que Bolsonaro fez antes do segundo turno da eleição, quando ele ainda estava machucado. Ele estava no Rio de Janeiro, falando com uma multidão e ele prometeu um Brasil sem Folha de S. Paulo e disse que todos os adversários dele teriam de sair do país ou seriam presos.

São palavras para a eleição, claro, mas também mostra a mentalidade dele. Não é permito a eles fazer tudo, mas eles vão tentar.

Ele está censurando filmes. O prefeito do Rio de Janeiro está censurando livros e, como eu disse, tem jornalistas que já foram demitidos em função de sua opinião política – ou estão sendo ameaçados da mesma forma que aconteceu na Argentina nos últimos quatro anos.

De novo: por causa disso é que o jornalismo independente é mais importante do que nunca.

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