Morro do Castelo / Vale do Pati, na Chapada Diamantina. Foto: Brunonogaki

Por James Neimeister

Conforme projeções da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o pré-sal já teria gerado um lucro superior a US$100 bilhões até o ano presente. Paralelamente, uma outra estimativa otimista, produzida pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), projeta um lucro de até US$10 trilhões caso se extraia cada gota de óleo disponível nos dispositivos do pré-sal. Se por um lado esses dados sugerem uma fonte impressionante de riqueza nacional, por outro, a preservação de recursos naturais brasileiros pode valer-se tanto, ou até mais, para o país.

O Ministério da Agricultura estima que a agropecuária gerou um faturamento de cerca de US$140 bilhões em 2017. Isso quer dizer que a receita nacional produzida por esse setor ultrapassa, a cada ano, o valor total já extraído do pré-sal até 2019. Mas esse setor está intrinsecamente ligado à conservação, particularmente à luz das projeções realizadas pelo relatório recém divulgado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) sobre o uso da terra. É consenso científico que, caso a indústria agroalimentícia não desacelere e transforme a atual forma de exploração do solo brasileiro, mudanças climáticas extremas deixarão as florestas secas, o campo estéril e as cidades em miséria.

A interdependência entre conservação e exploração da terra pelo setor da agricultura me atingiu recentemente durante uma viagem pelo interior da Bahia, no Parque Nacional da Chapada da Diamantina. Como visitante internacional no Brasil, fiquei extremamente impressionado com a imensurável riqueza ambiental desse lugar – esta talvez pouca reconhecida nacionalmente. O Vale do Pati, dentro do Parque Nacional, serve como ótimo exemplo de como a própria conservação da mata pode gerar um valor frequentemente desconsiderado pelo modelo econômico baseado simplesmente no “custo-benefício” monetário da exploração.

Antigamente, o Vale do Pati constituía uma extensa plantação de banana e café. Explorado pelas famílias residentes (algumas das quais ainda remanescentes na região) durante a grande seca dos anos 1930, o Vale atualmente é uma floresta secundária exclusiva e sustentavelmente explorada pelo turismo local. Ainda que secundária, a floresta continua sendo uma importante fonte de água, solo e biodiversidade para a nutrição de áreas adjacentes.

Um estudo português publicado pelo DICA (Divulgação de Informação do Comércio Agroalimentar) aponta que cada hectare de plantação de banana chega a consumir até 16.000m3 de água por ano. Tendo esse valor em vista e a área de 500 hectares úteis do Vale do Pati, o reflorestamento e preservação dessa mata secundária chega a conservar até 8 milhões de metros cúbicos de água por ano. Nesse processo, a degradação dos solos pode se reverter e permitir que espécies vegetais e animais nativas voltem a viver dentro do Vale.

No entanto, a preservação ambiental de áreas florestais nativas tais como o Vale do Pati não se limita somente à conservação da água, solos e biodiversidade, mas também proporciona o seu cultivo. No caso específico da água, o reflorestamento não só deixa de consumir bilhões de litros desse bem, como também faz com que as árvores e plantas, durante o seu processo de nutrição, capturem essa água e a retornem ao solo, preenchendo as reservas aquíferas subterrâneas. 

E quem mais se beneficia desses bens naturais conservados pelas mata nativas? Próximo à entrada do Vale do Pati por Guiné, pode-se ver uma vasta área de plantações circulares que utilizam sistemas sofisticados de irrigação. De acordo com o nosso guia, estas são plantações de batata reservadas à venda exclusiva ao McDonald’s. Esse tipo de plantação geralmente utiliza-se de sementes importadas, que são propriedade intelectual de donos estrangeiros, e consome quantidades exorbitantes de água e agrotóxicos.

Portanto, vejo um claro exemplo da grande parcela da produção agroalimentar que se beneficia direta e indiretamente dos bens naturais resultantes da conservação do Vale do Pati e que se volta à exportação internacional. Trata-se de um modelo agricultural que explora vastamente as águas e os solos subsidiados pela preservação nativa brasileira, mas que deixa pouquíssimo valor dentro do país – e quase nenhuma riqueza para a comunidade local.

Ao mesmo tempo, na beira da estrada entre a Chapada da Diamantina e Salvador, pude também ver as sementes de outro modelo agricultural asfixiado pela monocultura e pela dominação do agronegócio em detrimento da produção regional. Passando por enormes extensões de pastagem com solos degradados de cor alaranjada e praticamente vazias de trabalhadores, observei também grandes grupos de pessoas trabalhando em pequenos lotes ao lado da rodovia. Em contraste com os longos trechos de pastagem, essas plantações, de grande diversidade de alimentos, são capazes de alimentar e empregar um número muito maior pessoas, principalmente moradores locais do interior do estado.

De acordo com projeções realizadas pelo IPCC, a agricultura de pequena escala, que se baseia em conhecimentos tradicionais, sustenta-se exclusivamente pela mão-de-obra familiar ou local; e planta uma rica variedade de produtos para o consumo regional ao empregar os princípios básicos da agroecologia, é o modelo que mais se aproxima da chamada “agricultura do futuro”.

Uma placa nessa mesma rodovia manifestava-se contra a ocupação irregular às margens da estrada, condenando: “a ilegalidade só gera ilegalidades”. Ao meu ver, quem desapropria a terra, as águas e a biodiversidade sem prover retorno algum à região é quem de fato comete o crime primordial à dinâmica social, econômica e ambiental da região.

Outro estudo recente aponta que as políticas antiambientais vigentes podem prejudicar a economia brasileira em cerca de US$5 trilhões – ou seja, equivalente à metade das mais otimistas projeções de lucro do pré-sal. Mesmo descumprindo com a sua função social e sendo um grande responsável pelo desflorestamento nacional, o agronegócio continua sendo altamente subsidiado pela conservação de recursos naturais. Entretanto, por mais que o agronegócio ignore esse fato, ele irá sempre depender diretamente da preservação ambiental para sobreviver. Privilegiar a agroindústria em detrimento da proteção do meio ambiente, além de um tiro no próprio pé, é também um projeto político que entrega um grande patrimônio nacional às grandes indústrias estrangeiras.

James Neimeister é tradutor e cursa mestrado em administração pública no Baruch College, City University of New York

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