Foto: Mídia NINJA

Por Eduardo Sá

A pauta LGBTIs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais) teve forte influência nas últimas eleições e é uma das mais polêmicas nesta atmosfera de ódio e intolerância que tomou o país. Embora este comportamento seja algo que existe desde os primórdios da humanidade, até hoje é um ponto sensível na sociedade e gera todo um debate em torno da família, da moral e dos bons costumes.

Enquanto fica essa coisa mal resolvida, algumas estatísticas apontam para um cenário extremamente preocupante. A ONU anunciou nestes dias, por exemplo, que o HIV/AIDS cresceu 7% nos últimos nove anos na América Latina. Os dados apontam que cerca de 100 mil pessoas contraem o vírus a cada ano no continente, sendo que o Brasil responde por mais da metade dos casos. O público LGBTIs é um dos mais atingidos, mas estas estatísticas deixam vulneráveis todos que necessitam do tratamento para esta doença. Além disso, há ainda e principalmente a questão da homofobia cujos dados brasileiros de violência são um dos piores em todo o mundo.

Para falar sobre estes assuntos, conversamos com a ativista transexual Indianara Siqueira, atual presidente do Grupo TransRevolução, que foi vereadora suplente pelo PSOL-RJ, e coordenadora da Casa Nem e do Prepara Nem. Ambos projetos dão abrigo e apoio a travestis e transexuais em situação vulnerável, seja com moradias a pessoas trans que são expulsas de casa ou preparando-as às universidades, dentre outros serviços. O longa-metragem Indianara sobre sua vida foi lançado neste ano no festival de Cannes destacando sua militância e história em defesa dos direitos humanos.

Na entrevista, ela fala sobre as mudanças no tratamento do governo com estes setores e a importância de se mudar nossa estrutura social através da educação. As pessoas reproduzem até inconscientemente esses valores enraizados em nosso sistema, segundo ela, e a mídia tem fundamental importância na reprodução massiva destes valores conservadores introjetados nas pessoas. Nossa cultura, na sua opinião, alimenta a LGBTIfobia.

Qual a sua avaliação sobre a conjuntura atual em relação à pauta LGBT?

Muito ruim, porque o governo atual do Bolsonaro, ligado a milicianos e fascistas, está retirando direitos LGBTs e das mulheres. Num país que mais mata LGBTs, que detém o ranking vergonhoso de assassinatos, também é o quinto país mais violento onde mais se mata mulheres. E o Brasil também mata mais de 68 mil pessoas por ano, o que chega a ser 50%, que muitas guerras matam. Mais de 6 mil mulheres são assassinadas por violência contra a mulher no Brasil, mais de 61 mil são estupradas e mais de 200 mil sofrem violência física, que as tornam deficientes muitas vezes.

E nessas não estão incluídas as mais de 140 pessoas transVestiGeneres assassinadas por violência de gênero/violência contra identidade de gênero. É complicado viver num país violento como este, não adianta a gente discutir a violência social e estrutural desta sociedade se hoje os governantes incentivam esta violência.

Quais são as dificuldades enfrentadas pelo movimento para realizar suas atividades, como a ONG onde você é diretora?

Tem toda uma dificuldade, porque se você pede financiamento no banco tentam te barrar em um monte de coisa. As ONGs deixaram de receber financiamentos, que já não vinham e agora piorou mais ainda, etc. Nossas atividades enquanto ONGs e movimentos sociais, ou pessoas que promovem o bem estar de alguns grupos, estão totalmente cerceadas. A gente não consegue mais fazer os trabalhos que fazíamos antes como, por exemplo, tratamentos com pessoas com HIV/Aids. Eles estão cortando recursos que vão fazer com que não tenhamos medicamentos para estas pessoas, que ficarão em risco grave de vida.

Havia políticas públicas com a distribuição gratuita desses medicamentos, inclusive de materiais de prevenção como preservativos e gel, e agora está sendo tudo cancelado. Então o Brasil que era o país que mais aumentava a taxa de HIV/Aids e já foi referência em tratamento e prevenção, volta agora ao vergonhoso ranking de país onde a Aids se torna novamente uma epidemia entre jovens, LGBTs e populações vulneráveis em geral. Faz parte dessa onda de retirada de direitos contra pessoas LGBTI. Uma ação fundamentalista e religiosa contra nós.

Foto: Mídia NINJA

Como você vê o tratamento da mídia com os movimentos?

A mídia hegemônica é conservadora e quer agradar a população conservadora, que é quem detém o poder, principalmente econômico das grandes fortunas que são os herdeiros. A Globo, SBT e as demais estão preocupadas em agradar essa galera, não em passar a verdade para a população se conscientizar com essas verdades. Eles são comprados e querem passar a reforma da previdência, porque são os maiores sonegadores. Fazem essa propaganda toda nessa pauta porque sonegam, pois a reforma da previdência que tira direitos dos trabalhadores beneficia os empresários e esta grande mídia. A Globo, SBT, o Ratinho, são sonegadores, então para eles é ótimo que passe esta reforma, porque não terão que pagar a dívida de impostos que eles já acumulam ao público outra vez.

Falam que temos tantos trabalhadores contribuindo agora e não sei quantos aposentados, e ficam nessa conta que só eles inventaram: trabalhadores contribuem e trabalhadores se aposentam, só que a reforma da previdência arrecada de tudo até de um palito de dente que você compre. A previdência é a que mais arrecada no Brasil, então na realidade ela tem um superávit, só que esse dinheiro não é usado para o que deveria. O dinheiro é desviado tanto em corrupção, mas ainda que ela não existisse, ele é desviado para outros fins que não a saúde, educação, habitação, etc. A previdência não está em déficit, é uma falácia deste governo e da mídia hegemônica.

Qual a motivação, a raiz do problema, que gera todas estas estatísticas que você citou e preconceito com os LGBTIs?

A sociedade tem uma estrutura heteronormativa, tudo que é construído através dela reproduz as opressões que essa estrutura traz. As agressões que sofremos, seja na família ou em nossa sociedade, estão na estrutura social que constrói todos os seres humanos nesta sociedade. Assim nascem os LGBTIfóbicos, racistas, machistas, etc. Está na estrutura. Precisamos discutir violência contra mulheres e LGBTIs nas escolas e destruir essas estruturas, se não a gente não vai chegar a lugar nenhum. Tem que ser pauta da educação para mudarmos a sociedade.

Tudo o que eu aprendo socialmente traz esses preconceitos, a nossa cultura é LGBTfóbica. Uma criança vai se tornar mais um, enquanto as pessoas que contestam essa cultura vão ser colocadas como população vulnerável, minoria, etc. Às vezes a pessoa não tem culpa porque não contesta essa violência que pratica contra a outra, embora tenha também um pouco, mas a estrutura da sociedade tem mais culpa ainda.

O governo atual está só há pouco mais de seis meses, mas todo esse cenário está aí há décadas. O que de concreto muda nessa transição de governo?

O governo anterior, por mais que tivesse feito alianças com as quais não concordamos, discutia nossas pautas. Então ecoavam as nossas situações, fosse nas universidades, com os secundaristas, etc. No atual governo, não. Isso foi retirado da pauta de discussão.

Você tinha cartilhas informativas, assim como existem cartilhas para catequese e tantos outros temas, que nada mais são que manuais de instrução. Você pode seguir aquilo ou não, estar de acordo ou não. Então é complicado esse governo vir falar que homem é homem e mulher é mulher e não existe outra possibilidade. Eles podem até não ver outras possibilidades, mas todos sabemos que existem muitas outras opções sexuais, identidades de gênero, pessoas não binárias (como eu TransVestiGenere não binária), intersexuais, assexuados, gênero fluído entre outros. O governo tem a obrigação de respeitar a individualidade de cada um, é só isso.

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O discurso mais conservador e reacionário afirma que se a sociedade virar homossexual não nos reproduziremos mais e será o fim da nossa espécie. Como vocês avaliam este tipo de pensamento?

Os LGBTIs são todos estéreis? As pessoas são idiotas. Por que vai acabar a reprodução humana? A espécie dos héteros poderia até acabar, mas a humana não. Os LGBTIs podem fazer inseminação artificial ou transar com homens trans, mulheres bissexuais, lésbicas e pessoas intersexo com útero em perfeito estado de reproduzir e gestar crianças. O que pode acontecer é se tornar uma sociedade mais inclusiva, porque nada vai fazer as pessoas pararem de trepar e se reproduzir.

Que eu saiba, enquanto trans, não sou estéril, então se eu transar com um homem trans com aparelho reprodutor totalmente saudável e engravidar ele, a espécie humana não vai acabar. Isso é falácia e LGBTfobia já que os LGBTIs podem se reproduzir entre eles mas têm várias outras formas. Essas coisas são inventadas através de regras heteronormativas, determinando o gosto das pessoas, mas essas pessoas têm que se amar. Tem pessoas que nem gostam de sexo, então por que pautar tudo com base no sexo?

E nas instâncias de poder, como é a representatividade de vocês e quais são as dificuldades?  

Na política estamos representadas por duas deputadas, a deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP) e a Erika Hilton deputada eleita pelo mandato coletivo também por São Paulo, e Robeyonce (PSOL-PE) em Pernambuco. Temos a vereadora Pâmela Volp (PP), de Uberaba (MG), e o David Miranda (PSOL-RJ), que não é trans mas é gay. Nas secretarias e conselhos não temos mais, porque foram extintas, principalmente as de direitos humanos. São vários retrocessos, então estamos perdendo os espaços que estávamos ocupando.

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