Foto: Marcelo Santos Braga

Por Eduardo Sá

Os dois fazem parte da comissão de frente da nova geração do samba carioca. Inácio Rios é filho de sambista consagrado, o Zé Katimba, e desde criança respira música. Pedro Assad Medeiros, mais conhecido por Mosquito, cria da Ilha do Governador, zona norte do Rio, iniciou só aos 17 anos no samba mas já é respeitado no meio. Ambos têm CDs gravados e já cantaram com todas as figuras expoentes do samba nacional. Aos 34 e 32 anos, respectivamente, estão crescendo na carreira e tocando e cantando quase diariamente em todas as casas de samba cariocas, inclusive noutros Estados e países.

Há três anos realizam um projeto no Beco do Rato, casa de samba na Lapa, no centro da cidade, onde muitos novos e velhos talentos deste gênero musical se apresentam. Encontros Casuais acontece quinzenalmente e sempre conta com a participação de sambistas parceiros, como foi o caso da cantora Teresa Cristina no dia desta entrevista. Conversamos com eles sobre o atual cenário do samba, as estratégias pessoais e do movimento para dar visibilidade aos trabalhos, quais as perspectivas e o atual cenário político. Segundo eles, o samba está crescendo e se fortalecendo apesar dos retrocessos políticos no país.

Eduardo Sá (ES): Por que entrevistar a nova geração do samba?

Mosquito (MO) – É um movimento forte, que está surgindo e em voga, com muita gente preparada e merece uma atenção. É um bloco de resistência cultural importante para o que vem pela frente. O samba é resistência desde sempre, e musicalmente porque não está nas grandes massas. As pessoas já estão enxergando uma nova geração do samba dando continuação ao que era feito desde lá atrás. É novo mas ao mesmo tempo antigo, porque as formas melódicas, os caminhos harmônicos, acabam se parecendo. Você cria o novo com peças que já existem. Tudo que não é plágio é novo, mas sempre se recriando a partir daquela receita lá de trás.

Inácio Rios (IR) – Temos coisas a mostrar. Crescemos aprendendo com o que ouvimos e idolatramos. Quando a gente na adolescência vai numa festa de família e fala que é músico ou sambista, a primeira coisa é que você é boêmio ou vagabundo. Então é uma resistência que já vem dentro de casa. É resistência por tudo que engloba o samba, discriminado.

Foto: Marcelo Santos Braga

ES: O que tem no trabalho de vocês em relação às raízes dos que vieram antes?

MO – É continuidade, porque a receita do bolo aprendemos com toda história do samba. É o que a gente pesquisa e faz do nosso jeito. Não tem um sambista da nossa geração que não cultue os caras, todos são muito respeitados. Geralmente o samba nasce de histórias, como o “Chefe da polícia pelo telefone mandou avisar”, o que está acontecendo naquele momento é o que vai ser narrado pelo cara.

IR – Quando o Mosquito lança um disco, por exemplo, e o Arlindo Cruz vai cantar com ele é clara a continuidade. Quando alguém endossa o trabalho de alguém mais novo é tudo mais o que a gente quer. O que muda é o tempo, a poesia que você tinha pelas ruas em 1970 é uma, em 1990 outra e assim em diante. Cada poeta vai se apoderar disso de uma forma, então o tempo vai mudando e a gente se adequando e fazendo.

ES: Tirando a parte de amor e sentimentos, a política tá sendo refletida nas músicas atuais?

IR – Nem tanto, a gente busca trabalhar de uma forma que não seja também muito chocante. É tijolo por tijolo bem devagar, só que a gente está compondo. Na hora que você consegue mostrar, existem sambas de protesto mais novos e antigos. Muitos compositores estão fazendo, mas nem sempre têm a oportunidade de mostrar. Não temos só um estilo. Tem música de protesto, de breque, um monte de partido alto, então não gosto de me rotular.

MO – Quando eu começo uma música não tenho a mínima ideia de como ela vai terminar. Às vezes fala de política, outras de amor, ou uma coisa que a gente viveu, a própria melodia da música te dá uma palavra e a partir dela você vai desencadeando. Não tem uma linha certa, vai a música de qualquer jeito, desde o gênero infantil ao protesto.

ES: Vivemos um momento muito polarizado no qual a política vem sendo falada em todo lugar. Como vocês veem essa nova geração neste contexto?

MO – Tem muita gente atuante e antenada no que está acontecendo. A grande maioria prestando atenção e cada um se manifestando da sua forma, mas quase todos do mesmo lado. Para falar bem tem que estar embasado no assunto.

IR – O sambista sempre teve que ser politizado. Quando você começa a aprender os sambas antigos e vai prestando atenção nas letras, ele mesmo já te encaminha a uma época histórica. Não gosto muito de ficar falando de política, não sou muito alinhado a essa coisa partidária e hoje quando a gente se politiza gera meio que esse vínculo. Também não sou anarquista, então para eu não me complicar prefiro expressar minhas opiniões nas minhas músicas de protesto. Tudo o que eu defendo está ali. Quem é sambista já vive esse lado do preconceito o tempo todo, então para que lado eu vou dar a mão? Estão congelando tudo na cultura, o que eu tenho que fazer é vir aqui e cantar um monte de samba.

ES: Como vocês veem a engrenagem do mercado hoje, no sentido dos desafios de um músico profissional?

MO – O grande lance do samba, e muita gente deixa de se tornar um grande profissional, é a questão da instabilidade de ser autônomo. Não dá para se garantir muito, então quem não está conseguindo pagar a conta de casa acaba tendo que optar por outro trabalho. Eu vivo de música há quatro anos, tinha CD gravado enquanto músico mas tinha outro emprego para pagar meu aluguel. Depende também da sua necessidade, de quanto de tempo te sobra para você depositar naquilo.

IR – Isso é muito pessoal de cada um, eu trabalhei durante muito tempo como músico em bandas de artistas renomados e acabei tardando um pouco de cuidar da minha carreira. Mas é por conta da grana que você vai ganhar, porque ainda assim com muitos anos de trajetória no samba foi um passo difícil de dar. E segue a luta, tem mês que está perrengue e outros que estão melhores.

Foto: Marcelo Santos Braga

ES: E como é a relação com as casas de shows e eventos, por exemplo?

MO – O samba existe por força do samba, a gente faz o movimento nem que seja na esquina da padaria do bairro. Ali vai rolar samba, vai vender cerveja, etc, claro que aquele retorno não é muito, geralmente é um dono de bar que tem mais grana e contrata um grupo. Mas o movimento samba tem em todo lugar o tempo inteiro. No grande mercado o samba está sem espaço, talvez por conta do giro do momento. Assim como o samba é moda em alguma hora outros ritmos dominam em outros momentos, acho que é o ciclo da música.

IR – Como está tudo muito novo, sai o CD e a gravadora, entra o streaming e mais não sei o que lá. As distribuidoras digitais serão as novas gravadoras na verdade, porque quem já tem muitos inscritos num canal já pode fazer um barulho na internet hoje. Tem também muito a coisa do informal, ele escuta aqui uma música nossa e não tem gravação. Tem gente que já está mais preparado e aproveita um gancho desse pra fazer um clipe, às vezes está focada em outra coisa e grava só áudio. Pode até ser uma estratégia, mas a gente chega aqui e não sabe muito o que vai acontecer, quem vai querer procurar ou vir toda semana.

MO – Tem seu charme você só conseguir ouvir aqui também. O Encontros Casuais já tem três anos, conhecemos um pouco as pessoas que frequentam. Às vezes a gente lança uma música nova que a gente acha linda, mas passa batida e o público nem se liga. Isso varia muito.

ES: Mas e a mídia tradicional, como a televisão, o que vocês acham?

IR – Os meios mais antigos ainda são dos mais importantes, os novos só dão meios para a gente se impulsionar de outras maneiras e às vezes o cara cresce nessa plataforma nova e aí aparece na televisão. A rádio toca mais a música dele, naturalmente.

MO – A internet hoje que manda, tem gente que nem é artista mas fez uma coisa legal que estourou e dali já sai para a televisão sem nunca ter feito um show. Mas também é mérito de cada um. O samba tem que estar na rua mesmo. Até tem na internet, mas o samba bom é no samba. Vejo muita coisa que na televisão é legal, mas quando vou já não sinto a mesma coisa que no samba. Mas acho que o samba também tem que explorar isso melhor, ser mais adiantado nesse mundo da internet e na mídia em geral.

Foto: Marcelo Santos Braga

ES: Mas isso é por falta de assessoria e produção?

IR – Não existe isso de faltar assessoria, ela custa um preço, ou você tem para investir ou não. Essa questão de ter menos casas de show e o mercado estar assim, não sobra dinheiro para a gente que é mais independente ou underground reinvestir. Sabemos várias coisas que precisamos, mas como gira essa grana? É um custo, então a gente vai agindo de acordo com o que a gente pode. É necessário ter uma assessoria, mas nem sempre dá.

MO – Vejo um mercado crescente há um tempo, acho que o samba está como trem andando. Tem muita gente fazendo samba bom. Existem muitos movimentos, pequenos e grandes. Você acha um samba bom em qualquer dia da semana.

ES: Tá rolando algum movimento em defesa da categoria tipo como houve o Clube do Samba?

MO – Estar mais unidos e juntos ajuda para qualquer outra coisa. O movimento do samba está bem conectado. Até quem não é grande amigo está interagindo. Essa coisa das canjas (participação do músico sem ser atração do evento) nos movimentos a gente vai também mudando os públicos de lugares, as pessoas começam a se interessar e outros sambistas vão participando e assim vai se espalhando.

IR – Quando você fica sabendo de um samba não importa se é longe. Eu que moro em Niterói, por exemplo, se um amigo me chamar pro samba em Padre Miguel eu vou. Aí os caras de lá vêm visitar a gente aqui, daí a gente dá uma canja no samba lá, essa troca é muito gostosa. Isso está rolando muito hoje em dia, estamos tocando muito os sambas uns dos outros.

Foto: Marcelo Santos Braga

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